por Natália Rocha Alves de Albuquerque*

O trabalho infantil é um fenômeno social diretamente relacionado com condições econômicas da família, estrutura produtiva e as questões de ordem cultural.

Este tipo de labor tem sido bastante criticado e combatido em todo o mundo. A grande crítica refere-se à exploração das crianças que são sujeitas a trabalhar em condições inadequadas e muitas vezes em atividades perigosas, o que leva à perda da infância e reduz a oportunidade de uma boa educação.

Acrescente-se que crianças trabalhadoras, mesmo tendo a oportunidade de estudar, podem ter o tempo de estudo reduzido, além de perderem o direito de ser criança pela ausência de lazer indispensável à esta etapa da vida, prejudicando, assim, o aprendizado e,consequentemente, aumentando a repetência, bem como a desistência de frequentarem a escola.

A legislação pátria consubstanciada principalmente na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na própria Consolidação das Leis do Trabalho reconheceu que a proteção dos direitos da criança e do adolescente é uma absoluta prioridade. Isso significa dizer que as políticas públicas devem priorizar a atenção voltada para crianças e adolescentes, posto que estes são indefesos e merecedores da proteção Estatal frente aos abusos, explorações, deficiências e precariedade existentes na realidade social que dominam o nosso País.

Nesse ensejo, ressalte-se que,desde 1994, o Fórum Pela Erradicação do Trabalho Infantil, que reúne o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e mais de 40 organizações governamentais e não-governamentais associações patronais e sindicatos, conseguiram melhorar a compreensão da sociedade sobre quanto o trabalho infantil é nocivo à educação e ao desenvolvimento das crianças. Outro avanço do Fórum é o desenvolvimento de formas de prevenção e combate ao trabalho infantil.

É mister acrescentar, ainda, que o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), implantado em 1996, foi criado pelo governo brasileiro, para que as crianças envolvidas nas piores formas de trabalho infantil pudessem deixar o mercado e passassem a frequentar a chamada “jornada escolar ampliada”.

Assim, é necessário, de todo modo, priorizar os vínculos familiares e comunitários das crianças, especialmente com a escola, sendo fundamental a promoção da cidadania, garantindo e proporcionando à estes indefesos o acesso aos direitos mencionados, pois apesar da existência de bem-intencionadas normas e de programas sociais, o trabalho precoce e em condições degradantes é uma triste realidade no Brasil.

Destaque-se, que o trabalho infantil é entendido como toda forma de trabalho remunerado exercido por crianças e adolescentes, abaixo da idade mínima legal permitida para o trabalho, sendo considerado prejudicial para as crianças, em razão de impedir que elas desfrutem da infância, que frequentem a escola, além de dificultar o seu desenvolvimento e formação, causando, muitas vezes, danos físicos ou psicológicos que persistem para o resto da vida.

Este tipo de labor é uma realidade que permeia o universo do trabalho e tira de crianças e adolescentes o legítimo direito ao lazer e à educação formal.

Nessa senda, é relevante registrar que a Constituição Brasileira de 1998 estabelece a seguinte lei de proteção à criança e ao adolescente. Vejamos:

Art. 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

§3º, I: Observado o disposto no artigo 7º, XXXIII, a idade mínima para admissão no trabalho é de 14 anos.”

Art. 7º, XXXIII: “Trabalho noturno e perigoso à saúde é proibido para crianças menores de 18 anos de idade, enquanto qualquer forma de trabalho, com exceção de estágios e treinamentos, está proibida para menores de 14 anos.”

Nesse ensejo, impende destacar que o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que:

Art. 2º: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”

Art. 60: “É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.”

Verifica-se, dessa forma, que a Lei 8.069/90 (ECA) define como criança a pessoa de 0 a 12 anos incompletos e adolescente a pessoa de 12 a 18 anos incompletos. A nossa Carta Magna de 1988 prevê que quaisquer trabalhos insalubres, tais como os noturnos e perigosos à saúde são proibidos para os cidadãos com idade inferior a 18 anos. Para as pessoas com idade inferior a 16 anos, proíbe-se qualquer tipo de labor, salvo na condição de aprendiz, cuja idade deverá ser pelo menos de 14 anos.

Ademais, oportuno salientar que o trabalho infantil, definido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como qualquer atividade econômica exercida por crianças com menos de 12 anos e jovens abaixo dos 18, é enquadrado como uma das “piores formas de trabalho” ao afetar diretamente a saúde mental e física de crianças e adolescentes.

Sendo assim, para combater a ocupação infantil, não é necessário apenas conhecer as suas causas, mas também sua extensão, localização e características. É extremamente importante refletir sobre soluções e ações, que de alguma maneira, possam enfrentar a realidade do trabalho infantil, promovendo sua erradicação.

O trabalho infantil ocorre nos mais variados setores de atividades econômicas: serviços domésticos,turismo, na pesca, no setor industrial, construção, indústrias extrativas e economia informal urbana. Independentemente do setor econômico em que ocorre, o trabalho infantil está ligado ao setor informal da economia.

Não se pode negar que a pobreza é um fator de exploração da mão-de-obra infantil, principalmente quando o uso do trabalho durante a infância ainda é considerado como uma alternativa de muitas famílias para manter a própria sobrevivência.

Embora não se possa desconsiderar a existência de outros fatores, a desigualdade, a pobreza e a exclusão social são as principais causas do labor infantil.

Nesse sentido, vejamos as lições dos autores Jaime Hillesheim e Juliana da Silva:

A precarização das relações de trabalho, que se intensifica com o modelo de acumulação flexível constitui hoje uma das causas que acelera o fenômeno do trabalho infantil e da exploração do adolescente no trabalho. É sempre conveniente lembrar que se é verdade que a realidade social e econômica leva crianças e adolescentes para o mercado de trabalho em condições precárias, é também verdade que esta situação é mantida por causa dos interesses do capital. Estes trabalhadores (crianças e adolescentes) se tornam mão-de-obra barata, portanto, reduzem os custos da produção e, além disso, produzem, em termos quantitativos e até qualitativos, tanto quanto um trabalhador adulto. (HILLESHIEM, SILVA, 2003, p. 06).

 

Nesse diapasão, é relevante ressaltar que o fenômeno trabalho infantil também ocorre pela forte tradição cultural, atingindo especialmente as famílias com baixa renda familiar. Embora exista predominância de ocupação infantil nas atividades urbanas, é preciso reconhecer que o trabalho de criança e adolescente em atividades rurais ainda é muito significativo.

A questão cultural, a crença de que trabalhar é bom, é apontada pelos especialistas como um dos mitos que legitimam o trabalho infantil no Brasil, sendo que tal questão um dos maiores obstáculos para erradicar o labor infanto-juvenil no nosso país.

As famílias, principalmente as mais pobres, veem a questão do trabalho como uma forma de livrar a criança, o adolescente da marginalização, da exclusão social, do envolvimento com drogas. É essa visão cultural que deposita no trabalho uma forma de prevenção dos males.

A crença que o trabalho da criança ajuda às famílias, e que as crianças devem compartilhar o trabalho com a família para criar responsabilidades, é um mito ainda muito presente, principalmente quando se analisa o expressivo número de crianças responsáveis pelas tarefas domésticas, assumindo responsabilidades de verdadeiros adultos.

A falta de uma política governamental mais ampla de educação e assistência social tem reproduzido causas estruturais para a inserção precoce de crianças e adolescentes no trabalho. Por isso, há que se pensar em ações eficazes que propicie renda às famílias como forma de evitar o trabalho infantil.

A educação como instrumento de emancipação e cidadania ainda é utilizada pelo poder público como instrumento na defesa dos interesses das classes dominantes, as crianças ricas recebem uma educação de qualidade para formação da classe burguesa. Enquanto isso, às crianças pobres são oferecidas uma educação na qual basta saber a leitura e a escrita, pois consideram que é suficiente o aprendizado de um oficio. (ALMEIDA, 1998, p. 102).

No entanto, a educação não pode ser algo determinado. Cada criança tem sua cultura e vivência, e seu desenvolvimento depende do reconhecimento destas condições. Deste modo, o papel da escola deve ser inclusivo, permitindo o acesso de todos ao conhecimento. Como bem registram VIEIRA & VERONESE,

[…] a educação não deveria estar voltada exclusiva ou prioritariamente às exigências do mercado, até porque a própria Constituição afirma que a educação tem por finalidade antes a formação do ser humano, depois, a preparação para o exercício da cidadania e, só então, a qualificação profissional. (2006, p. 40-41)

Daí a necessidade de promover uma cultura de educação para a plena cidadania promovendo a construção do pensamento crítico, autônomo e emancipador capaz de superar os mitos do trabalho infantil que legitimam a exploração de milhões de crianças e adolescentes brasileiros.

Nessa senda, ressalte-se, por oportuno que os efeitos do trabalho infantil são significativos e repercutem, negativamente, no desempenho escolar de crianças e adolescentes, além de trazerem sérios prejuízos à saúde e ao desenvolvimento desses indivíduos.

Segundo dados de 2011, obtidos no sítio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, o trabalho doméstico, nas ruas, no lixo e as atividades na agricultura são as piores formas de trabalho infantil, por colocar em risco a vida, a saúde e a segurança das crianças. E a consequência disso tudo acarreta a deficiência na formação escolar e no completo desenvolvimento físico, psicológico e moral, pois a criança e o adolescente pulam esta etapa de suas vidas pela subtração do direito puderem ser crianças e de ser adolescentes na autêntica acepção da palavra.

Vale destacar, também, que conforme o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2010, 132 mil crianças entre 10 e 14 anos são provedoras de suas famílias. Outro dado relevante colhido pelo IBGE aponta para a existência de 4,3 milhões de trabalhadores infanto-juvenis, dos quais quase 900 mil entre 5 e 14 anos de idade, e 123 mil na faixa etária entre 5 e 9 anos.

Verifica-se, portanto, que muitas crianças brasileiras são submetidas às violações de direitos humanos, principalmente no tocante ao direito de ser criança e ao direito de ser adolescente.

De qualquer forma é preciso entender que a educação pode ser um instrumento de transformação social, reduzindo a pobreza, bem como uma alternativa à proteção contra a exploração do trabalho infantil.

Além disso, o labor infantil apresenta-se como um dos fatores de aumento dainfrequência escolar, pois as longas jornadas de trabalho e o cansaço físico das crianças e adolescentes contribuem para este fator. Ademais, as escolas nem sempre são atrativas, além do mais as condições de extrema pobreza contribuem para a evasão escolar. Assim sendo, o trabalho e a escola dificilmente se conciliam na realidade brasileira. A escola acaba ficando para trás porque o que prevalece é a necessidade.

Como é cediço, o ensino público ainda é muito precário, principalmente nas áreas rurais, onde os professores têm baixo nível de qualificação e a escola deixa de acompanhar as inovações e transformações dos tempos atuais.

Nesse sentido, o Ministério da Educação reconhece que:

O próprio sistema de ensino tem gerado exclusão escolar e social. Parte das suas causas tem raízes na própria escola, ditadas por razões que dizem respeito à inadequação dos currículos, à deficiência na formação inicial e continuada dos professores, às avaliações equivocadas que insistem em responsabilizar o aluno pelo seu próprio fracasso e que termina por estimular o abandono das escolas. Mas seria um equívoco circunscrever o problema às causas de natureza educacional. Isso porque a evasão escolar também está associada às desigualdades econômicas e disparidades regionais. (BRASIL, Ministério da Educação, 1997, p.07).

Assim, a criança e o adolescente atropelam a etapa fundamental de suas vidas representada pela infância, prejudicando o desenvolvimento lúdico, necessário a uma vida sadia e equilibrada. E esta subtração, ocasionada pelas relações de trabalho precário e inoportuno à estas fases da vida do indivíduo, torna-se um fator determinante de exclusão das oportunidades na fase adulta.

Do mesmo modo, a baixa escolarização dos pais concorre, de modo relevante, na ocorrência do trabalho infantil, pois a cultura do trabalho operário é muito forte no modelo de sociedade capitalista. Contudo, as condições econômicas atuais do Brasil demonstram, cada vez mais, a necessidade de níveis de escolarização maiores para a garantia de inserção no mercado de trabalho, e as crianças e os adolescentes tem essa garantia visivelmente diminuída pela ausência de escolaridade adequada.

Então, o trabalho infantil é negativo ao indivíduo em todos os sentidos, pois além de continuar contribuindo com o quadro de pobreza, coloca as famílias em condições vulneráveis, já que substitui a mão-de-obra do adulto pelo trabalho infantil. Isso contribui para a redução geral da remuneração, pois crianças e adolescentes submetem-se ao trabalho em condições absolutamente aviltantes, provocando o aumento da informalidade e da precarização das relações de trabalho.

Dessa forma, a melhoria do nível de escolaridade da população é essencial para um aumento da qualidade de vida. Pessoas melhor educadas são mais cientes de seus direitos e criam filhos mais educados e mais saudáveis, diminuindo a pobreza, a exploração e os abusos no decorrer da vida.

Assim, é imprescindível haver um número adequado de escolas disponíveis e custos acessíveis ou subsidiados para aquisição de materiais, uniformes, utilização de transportes, dentre outros, para permitir que crianças de famílias pobres estudem.

Faz-se necessário, portanto, que as autoridades responsáveis pelo combate ao trabalho infantil se empenhem cada vez mais e em suas atividades, para, senão, erradicar, reduzir, de maneira expressiva, esse tipo de labor que põe em risco a formação de capital humano no país.

Anote-se, ainda, a indispensabilidade do monitoramento de atividades infantis desenvolvidas, principalmente, nos meios esportivos e artísticos, bem como a fiscalização dos contratos de trabalho entre empresas e jovens aprendizes, ou seja, das condições em que estes laboram em atividades experimentais visando profissionalizar-se, eliminando, assim, o risco de serem explorados.

Ressalte-se, também, que em grande parte nos países sub-desenvolvidos, crianças continuam a trabalhar em fábricas e fazendas, onde a falta da devida fiscalização por parte de órgãos públicos e a necessidade de uma fonte de renda faz com que as crianças trabalhem para ajudar no sustento da família.

Crianças que estudam e brincam têm melhores condições de terem um futuro melhor, pois se credenciam para serem melhores profissionais, enfrentando o mercado de trabalho com destaque e competência.

Diante desta triste realidade, depreende-se que, para reduzir o trabalho infantil, é necessário ter uma abordagem integrada que identifique as crianças que trabalham e também sensibilizar a sociedade sobre os danos morais, físicos e intelectuais deste tipo de labor, além de oferecer atividades culturais, esportivas, educativas e de lazer.

Portanto, o trabalho não contribui para o desenvolvimento da criança, e muitas de suas formas causam problemas irreversíveis, pois estudos realizados por diversas entidades brasileiras e internacionais indicam que são inúmeros os comprometimentos físicos e psíquicos provocados pelo trabalho precoce. Somente com o esforço conjunto, o trabalho da criança vai ser erradicado e ela passará a ter infância com estudo e lazer. Então, se todos contribuírem, essa dura realidade vai ser modificada.

Ao lume do exposto, o nosso País tem o dever de promover políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil, adotando medidas voltadas à profissionalização do adolescente trabalhador. Se faz, também, indispensável a inclusão dos responsáveis pelas vítimas do labor precoce em sistemas de proteção social e de geração de renda, a fim de que não se torne insustentável a vida da família pela supressão da renda ocasionada pela ausência do trabalho precoce.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Regina Stela Andreoli de. Consciência e escolarização: um estudo sobre a construção da identidade do jovem trabalhador e suas relações com a escolaridade. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 1998.

BRASIL, Ministério da Educação. Relação entre Educação e trabalho infantil. Consulta Regional Latino-Americana e Caribenha sobre Trabalho infantil.Brasília: Unicef/OIT, 1997.

HILLESHEIM, Jaime, SILVA, Juliana da. As marcas do trabalho: acidentes envolvendo adolescentes em Blumenau, Relatório Final de Pesquisa, II Fórum Anual de Iniciação Científica, Blumenau, Universidade Regional de Blumenau, set. 2003.

VIEIRA, Cleverton Elias, VERONESE, Josiane Rose Petry. Limites na educação: sob a perspectiva da Doutrina da Proteção Integral, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Florianópolis: OAB/SC, 2006.

(*) Advogada, Membro da Comissão da Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-CE, Pós-graduada em Direito Processual Penal pela UNIFOR e Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela UNIDERP.

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