Leandro VasquesA atual gestão do Tribunal de Justiça do Ceará vem contribuindo decisivamente para a edificação de uma verdadeira torre de marfim judicial: alicerçada na falta de diálogo entre as instituições, ornada por penduricalhos remuneratórios diversos e nefelibata em relação aos anseios de uma população cada vez mais carente de justiça.

Não bastassem os múltiplos absurdos que enlameiam o nosso combalido Estado Democrático de Direito, o Tribunal de Justiça cearense, sob a conveniente bandeira da contenção de despesas, enviou mensagem à Assembleia Legislativa para que fosse aprovada a redução do número de Turmas Recursais no Ceará, órgãos nos quais se julgam os recursos de processos oriundos dos juizados especiais.

Se tal medida prosperar, com a sanção do governador Camilo Santana, os efeitos danosos à sociedade serão inomináveis. Seria um ato de irresponsabilidade sem tradução, tendo em vista a sabida e consabida precariedade do acesso à justiça que a população já amarga.

Para se ter uma ideia, o acervo das turmas recursais já passa dos 19.000 (dezenove mil) processos, apesar do julgamento de 5.432 deles nos últimos 12 meses. Somente a Turma Recursal Fazendária experimentou um aumento de 800 recursos no último mês. É inegável e preocupante a possibilidade de um represamento ainda maior dos processos.

Em maio de 2015, havia sete turmas recursais no Ceará. Com a publicação da lei, serão apenas três, cada qual com três juízes-membros. Será que apenas nove juízes, mesmo com toda a devoção que lhes é peculiar, poderão esboçar mínima reação ante a avalanche de recursos oriunda das dezenas de juizados especiais do Estado? Será que, se os juízes das turmas recursais fossem exclusivos destas e não acumulassem função em outros módulos judiciais, não haveria maior produtividade? Será que tal espírito de eficiência orçamentária – conveniente, frise-se – será saciado com este corte ou exigirá a extinção de mais uma turma recursal? Desnecessário dizer que são perguntas meramente retóricas.

A iniciativa é, enfim, mais um exemplo da falta de tato da gestão do Tribunal de Justiça cearense, com mais uma medida que, sob o pretexto de sanear as contas, acabará por apartar o povo do acesso à justiça, a exemplo da atropelada majoração das custas judiciais a patamares estratosféricos.

Dessa forma, cabe ao governador Camilo Santana fazer o que estiver ao seu alcance para evitar tal descalabro, vetando toda matéria legislativa nesse sentido que chegar às suas mãos. Por fim, o problema não se mostra menos grave por estar restrito ao âmbito das turmas recursais. Afinal, como proferiu Martin Luther King, “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça por toda parte”.

Leandro Vasques

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Advogado criminal, Mestre em Direito pela UFPE e conselheiro da Escola Nacional da Advocacia (ENA)