O momento exige profunda e séria reflexão sobre quanto deve ser o trabalho necessário a se garantir o pleno exercício do direito à defesa técnica, para a qual o advogado é indispensável, segundo expressos dispositivos da Constituição Federal de 1988.

Ao final de cada ciclo, é natural analisarmos os atos praticados e as necessidades de mudanças, mesmo se necessário reafirmar o já conhecido por todos e disposto de forma precisa nas normas.

O advogado é indispensável à administração da justiça, ao processo válido, à ampla defesa, amparado em lei garantidora das prerrogativas profissionais. Por estas, assegura-se não haver hierarquia entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, com paridade de armas e tratamento com respeito recíproco.

É assegurado o respeito ao sigilo profissional, à comunicação reservada com cliente, à inviolabilidade do escritório, dos arquivos, da correspondência, das comunicações telefônicas, telemáticas, eletrônicas.

A lei federal 8.906/94 também garante ao advogado ingressar livremente às sessões de julgamento e dependências do judiciário, delegacias e prisões, ter o uso da palavra, dos nobres atos de fala e escrita no processo, ao qual deve ter acesso integral.

Nesses tempos difíceis e estranhos, houve necessidade de se registrar desagravos, também garantidos por lei, em favor de eminentes advogados ofendidos no exercício da advocacia, como foi o caso de Antônio Carlos de Almeida Castro e Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.

A Ordem dos Advogados do Brasil tem legitimidade e dever de buscar a eficácia das normas relativas às prerrogativas, mas por vezes é omissa, não dá conta, não pode se render à desordem e à pressão causada pelo estado punitivista e pelo anseio de se condenar a qualquer custo. Isso impulsiona outras entidades e advogados a bradarem em prol das garantias do processo.

Todos, em uníssono, somos contra a corrupção, a lavagem de dinheiro e a qualquer conduta criminosa, mas não se pode afastar da defesa, do advogado, o direito de resistir aos excessos da acusação e a decisões judiciais autoritárias, afeitas, como temos vivido, a regimes de exceção e não ao Estado de Direito.

A Justiça não existe se praticada sem o devido processo legal, sem o direito de petição, sem respeito ao juiz natural, sendo vetado o juízo ou tribunal de exceção ou julgamentos políticos e sumários. A busca da condenação com a deflagração de medidas forçadas inexistentes, a banalização das prisões cautelares utilizadas como verdadeiras antecipações de pena, tornam a defesa vazia, fazendo do advogado a imagem de quem atravanca o processo e impede a realização da justiça.

Outra garantia a ser lembrada é a de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, espinha dorsal da defesa a evitar o arbítrio judicial contra a cidadania, restringindo a ação do Estado, pálio do homem comum, titular de direitos irrenunciáveis, intocáveis e inalienáveis.

São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, asseguradas a ampla defesa e ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, garantida a presunção de inocência, em honra à dignidade da pessoa humana, assim como o direito ao investigado ou acusado de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

Todas essas lembranças são necessárias! Importante revisitar as normas que asseguram as prerrogativas profissionais do advogado e as garantias processuais, pois não somos espectadores dos atos no mínimo estranhos de seguidas ilegalidades que vêm sendo praticados nos processos.

Observa-se diariamente diversas manifestações midiáticas tendentes a criminalizar a advocacia e o direito de defesa. Advogados são tidos como anti-heróis, apoiadores da impunidade, beneficiários e coniventes com a prática do crime, obstáculo à eficácia do judiciário e da aplicação das leis, procrastinadores do andamento do processo apenas por adotar medidas necessárias e recursos previstos em lei.

É evidente e abusiva a espetacularização das operações policiais nos cumprimentos de ordens judiciais, instigando a sociedade a uma cultura punitivista, sufocando a advocacia brasileira e afligindo ainda mais o investigado ou acusado.

Assim, é bom relembrar os direitos, para que em 2018 não mais se repitam as abusivas conduções coercitivas, verdadeiras afrontas ao direito de ir e vir, pois a lei é claríssima no sentido de só serem cabíveis nas hipóteses de a testemunha, regularmente intimada e sem motivo justificado, não comparecer ao ato ou o não atendimento do acusado quando devidamente intimado para interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que sem ele não possa ser realizado.

Basta revisitar e respeitar a lei para saber que a condução coercitiva, como vem sendo realizada, não existe e afronta o Estado de Direito. Afinal, quantos já sofreram tal constrangimento sem jamais terem sido intimados previamente, tendo sido levados no clarear do dia de suas residências, sem saber o teor da persecução, sem acesso ao processo, causando trauma a conduzir ao suicídio.

São inúmeras as prisões cautelares precipitadas e responsáveis pela superlotação carcerária, verdadeira máquina de marginalidade que atingiu o terceiro lugar no mundo em número de presos, ao invés de aguardar o fim do processo em liberdade ou impor medidas restritivas menos severas, alternativas, dar preferência às audiências de custódia, meio hábil a evitar injustas prisões antecipadas. A ninguém é dado o direito de se gabar desses resultados.

As medidas cautelares não afetam apenas a liberdade do cidadão, atingem de forma também banalizada o patrimônio, por meio de buscas e apreensões, sequestros, bloqueio total de bens, sem permitir ou preservar condições de o acusado ou a empresa darem continuidade à atividade, causando prejuízos e danos irreversíveis à subsistência e à contratação de defesa eficaz.

Todas essas lembranças conduzem à necessidade de se prosseguir com resistência e respeito às prerrogativas profissionais do advogado e às garantias processuais, essenciais ao exercício de defesa e à manutenção do Estado de Direito.

*Miguel Pereira Neto, presidente da Comissão de Estudos sobre Corrupção, Crimes Econômicos, Financeiros e Tributários do IASP, Consultor Jurídico da BLIA (Buddha’s Light International Association) e Sócio de Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados.