Eles têm uma carga de trabalho intensa, na qual a própria vida corre risco, testemunham e combatem a violência extrema, convivem com a insegurança nas ruas, têm preocupação com a família, pressão por resultados. A vida profissional dos agentes de segurança não é fácil. Trabalhar tendo a própria vida sob risco, gera danos à saúde desses profissionais. Para se ter uma ideia, em 2018, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará recebeu 761 pedidos de afastamento de agentes. Neste ano, até agosto, foram 840 (mais de 100 por mês).

Para discutir essa questão, as Comissões de Direito Militar e de Segurança Pública da OAB Ceará, realizaram o Seminário “Saúde mental, suicídio e trabalho policial”, nesta quarta-feira (23), na sede da Seccional Cearense. Na ocasião, foi possível reunir as instituições mais representativas para discutir uma das questões mais preocupantes no que se refere à saúde mental dos membros das corporações, que é o suicídio. Segundo o presidente da Comissão de Segurança Pública, Deodato Ramalho, “essa iniciativa abriu espaço para a construção de um fórum  permanente de promoção da saúde mental desses profissionais. Mas, isso ainda é uma ideia inicial que precisa ser trabalhada entre os órgãos”, defendeu.

Para se ter uma ideia da dimensão do problema, vale voltar o olhar para os dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Público. Segundo a publicação, em 2018, policiais civis e militares cometeram mais suicídios do que morreram em serviço. Foram 104 suicídios no país, o equivalente a dois policiais mortos a cada semana. No mesmo período, 87 policiais foram vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) — em geral, durante confrontos com bandidos.

A presidente da Comissão de Direito Militar da OAB Ceará, Sabrina Melo, destacou que neste ano nove policiais militares do Ceará atentaram contra a própria vida e sete deles consumaram o suicídio. “Percebemos que é um índice crescente e, por isso, estamos disseminando esse debate e estudando uma solução para o problema”, afirmou.

O psiquiatra, professor e atual reitor da UECE, Jackson Sampaio, atua a 26 anos no grupo de pesquisa Vida e Trabalho, na universidade. Segundo ele, nesse tempo foi possível perceber o crescimento dessas discussões no âmbito da universidade e uma dificuldade muito grande de transformar os resultados das pesquisas em políticas públicas. “Tem de um lado um acúmulo de conhecimento e do outro, a dificuldade destes conhecimentos virarem práticas das políticas públicas que cuidam desses temas”, reiterou, se colocando à disposição para contribuir com qualquer ação que venha a minimizar essa problemática.

Pedro Queiroz, presidente da Associação dos Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará – ASPRAMECE, denunciou a ausência de políticas públicas capazes de assistir o efetivo das forças de segurança do Ceará, uma vez que não há um único psiquiatra para garantir o cuidado à saúde mental desses servidores. “Faz 15 anos que a gente mostra para o governo do Estado a necessidade de haver um equipamento multidisciplinar para fazer o acompanhamento dos profissionais da segurança pública, mas infelizmente não somos ouvidos e isso leva nossos companheiros a um alto índice de licenças psiquiátricas e alto número de suicídios consumados. Isso é preocupante e precisa de uma solução urgente. Muitos policiais estão nas ruas sob efeito de psicotrópicos”, lamentou.

O psiquiatra, Fábio Gomes, defende que a única forma de fazer com que esses números diminuam é oferecer uma gestão mais humanizada aos agentes de segurança e um equipamento multidisciplinar com médico, psicólogo, assistente social para que qualquer dificuldade seja detectada e tratada precocemente. “Os membros das corporações vão ter conflitos familiares, com algum colega de trabalho, com alguém que tenha cometido algum tipo de assédio moral, com bandidos, eles estão constantemente colocando em risco a própria vida. Então, obviamente, esse profissional tem que ser olhado com carinho e cuidado para que ele possa exercer seu trabalho com qualidade e ao mesmo tempo não adoecer por causa disso”, sugeriu.

O promotor de justiça, Hugo Mendonça, que está á frente do “Vidas Preservadas” do Ministério Público do Estado do Ceará, defendeu a criação de um Plano Estadual de Prevenção, Intervenção e Pósvenção do Suicídio para poder traçar uma estratégia, para gerar algo coordenado e com resultado abrangente. “Sem destinação de recurso público a realidade não vai mudar. Dentro do vidas preservadas nós estimulamos e foi criada, na Assembleia Legislativa do Ceará, a frente parlamentar em defesa da saúde mental e de prevenção ao suicídio, com o envolvimento de 9 deputados estaduais”, afirmou. Hugo Mendonça disse ainda que a ideia é que seja discutido um projeto de lei para o plano estadual, através do qual será possível discutir capacitação em saúde mental, em saúde básica, contratação de profissionais de saúde para as escolas e para a polícia, e assim, avançar em tudo o que precisa ser discutido para garantir efetividade das ações.

Durante o seminário, Rebeca Rangel, que é a psicóloga responsável pela assistência biopsicossocial da SSPDS, setor que existe a dois anos e que deve alcançar todos os agentes de segurança pública do Estado do Ceará, também teve a oportunidade de explicar o que vem sendo feito. Segundo a psicóloga, até o momento, o setor conta com psicólogo, assistente social e nutricionista. Ainda este ano deve contratar psiquiatra, fisioterapeuta e outros psicólogos. “Nosso objetivo é que os agentes de segurança pública possam ter acesso aos profissionais de modo preventivo. Estamos criando um setor ainda pequeno em relação ao que deve acontecer, mas já é um começo. Estamos avançando com o programa de prevenção ao suicídio e valorização da vida, numa parceria com o Ministério Público do Estado do Ceará e com a Universidade Federal do Ceará. A ideia é a gente formar, em todo o Ceará, grupos de guardiões da vida. Não dá para pensar em atendimento individual para todos, é necessário criarmos redes de apoio e atenção”, afirmou.

A Secretária Executiva de Política sobre Drogas da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos humanos- SPS, Mirian de Almeida Rodrigues, que veio representando a titular da pasta, Socorro França, afirmou que a SPS está de mãos dadas com a SSPDS, no sentido de oferecer ajuda mútua em favor dos profissionais da segurança pública. “As políticas públicas precisam trabalhar a intersetorialidade, não é só saúde ou segurança, para as políticas darem certo. A estratégia principal é sair do “achismo” e entender onde acontece e porquê acontece”, defendeu.

Durante todo o dia, o seminário contou com oito palestrantes, foram eles: o Reitor da UECE, professor doutor Jackson Sampaio; o procurador chefe da Justiça Federal Militar, Antônio Cerqueira; o defensor público estadual e professor universitário, Roberto Ney; o presidente da Associação dos Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará – ASPRAMECE, Pedro Queiroz; o psiquiatra e professor do curso de medicina da UFC, Fábio Gomes; a psicóloga responsável pela assessoria de assistência biopsicossocial da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, Rebeca Rangel; a psicóloga e assessora técnica da coordenação de políticas em saúde mental, álcool e outras drogas da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, Maria Michely Bezerra; e a Secretária Executiva de Política sobre Drogas da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos humanos- SPS, Mirian de Almeida Rodrigues, representando a titular da pasta, Socorro França.

Todos os participantes trouxeram contribuições muito pertinentes, lançaram luz sobre um problema que muitas vezes permanece na escuridão, sem que ninguém veja. Segundo eles, a conclusão é que é necessário agir rápido e de modo assertivo. Para isso, é necessário dispor de recursos públicos e contar com o envolvimento de toda a sociedade.