O advogado é inviolável por seus atos no exercício da profissão. E a inviolabilidade só pode ser relativizada quando o advogado é partícipe de crime investigado. Porém, a flexibilização dessa garantia apenas é possível quando a participação dele no delito for detalhadamente demonstrada.

Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu Habeas Corpus de ofício para trancar um inquérito policial em relação a um advogado.

O advogado presta serviços a uma empreiteira envolvida na “lava jato” há mais de 25 anos. No começo da operação, ele foi acionado pela empresa para verificar a legalidade de certos procedimentos de órgãos públicos na operação. Para isso, fez uma requisição formal ao Ministério da Justiça de informações e certidões relativas à companhia. A pasta negou o pedido. Contudo, o advogado impetrou mandado de segurança, e o Superior Tribunal de Justiça ordenou a expedição dos documentos.

A Polícia Federal abriu inquérito contra o advogado. A tese da corporação é que ele foi contratado pela empreiteira por sua proximidade com o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, com o objetivo de obstruir as investigações.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, representado pelos advogados Lenio Streck e Fernando Augusto Fernandes, foi ao Supremo em defesa do profissional.

Em sua decisão, Gilmar afirmou que o investigado “foi contratado na qualidade de advogado, tendo atuado no espectro do livre exercício da advocacia, sem indícios suficientes de prática de qualquer conduta típica, especialmente de obstrução de justiça, que justifique a manutenção das investigações em seu desfavor”.

O ministro apontou que o advogado exerce função essencial à administração da Justiça e é inviolável pelos atos praticados no exercício da profissão, como estabelece o artigo 133 da Constituição. E essa garantia só pode ser afastada se houver descrição pormenorizada da participação do advogado em crime — o que não ocorreu no caso.

Gilmar também citou que não há hierarquia entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público. “A advocacia representa, portanto, um múnus público, uma função que deve ser respeitada em todas as suas prerrogativas”, disse o ministro ao determinar o trancamento do inquérito.

Advocacia forte
Lenio Streck e Fernando Fernandes, que representaram a OAB na defesa do advogado, afirmaram à ConJur que a decisão reforça a importância da advocacia.

“Para exercer a advocacia é preciso, antes de tudo, ter coragem. Advogar não é para fracos ou covardes. A vida é dura nos fóruns e tribunais. E na polícia. E para isso, para que o advogado possa ‘ir fundo’, como se diz no jargão popular, é preciso ter um Judiciário forte, que saiba dar guarida aos reclamos do advogado que tem sua atuação vilipendiada por abusos. Prerrogativas: eis a palavra que cala fundo! O ministro Gilmar Mendes — que julgou o caso concreto — compreendeu, e compreende muito bem a independência da advocacia. Sabe ler o artigo 133. Sempre soube. E isso engrandece o STF e o Judiciário como instituição”, avaliou Lenio.

“Somente com uma advocacia destemida se mantém um Judiciário independente. O ministro Gilmar Mendes vem consolidando a posição do Supremo quanto à importância do artigo 133 da Constituição, valorizando o múnus público da advocacia”, opinou Fernandes.

Fonte: Conjur