Jonas chegou ao abrigo com 1 ano de idade. Permaneceu lá até os 13. Foi quando ele tomou uma decisão: preferiu as ruas ao abrigo, à omissao do sistema, à invisibilidade dos muros dos abrigos.

Jonas fugiu para as ruas. Dormiu ao relento. Comeu quando podia. Pediu esmola. Viveu nessa condição por 31 dias, até seu ato de desespero encontrar a sorte. Jonas deixou de ser invisível e ganhou uma família. Foi adotado.

Jonas é somente um de tantos outros adolescentes que tiveram seus direitos violados. Diferente desses tantos, encontrou uma família já adolescente. Até quando teremos tantos outros Jonas nos abrigos? Até quando ter uma família será uma loteria para os acolhidos?

Atualmente, há 30.658 crianças e adolescentes acolhidos no Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Desses, apenas 4.971 estão disponíveis para adoção no SNA.

O Dia Nacional da Adoção, celabrado em 25 de maio, existe para nos lembrar das mais de 30 mil crianças e adolescentes que estão à espera de uma família. Para nos mostrar o abismo que existe entre abrigados e pretendentes. E o tamanho do nosso desafio.

Uma breve visita histórica nos apresenta que a data, comemorada pela primeira vez em 1996 no I Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção, foi instituída em somente 2002, por meio da Lei 10.447. Desde então, diversas ações e campanhas são desenvolvidas com o intuito de estimular a reflexão da sociedade sobre essa triste realidade, e incentivar a adoção.

A Constituição Federal estabelece que a família é a “base da sociedade” e por isso tem “especial proteção” (artigo 226.º), e assegura à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar e comunitária (artigo 227.º), impondo aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (artigo 229.º).

Embora a família seja o lugar ideal para o desenvolvimento afetivo, social e intelectual da criança e do adolescente, existem situações em que a permanência da criança no seio da família não é o melhor para ela, seja por serem vítimas de negligência, violência doméstica, abuso sexual, ou por ausência de condições materiais.

O direito à convivência familiar tornou-se ainda mais difícil de ser alcançado no contexto da pandemia da Covid-19, que tem impacto profundo no aumento das vulnerabilidades socioeconômicas no Brasil e do número de crianças e adolescentes acolhidos. Nesse novo normal, cada vez famílias brasileiras encontram-se em condições materiais desfavoráveis, em situação de vulnerabilidade e, por isso, não conseguem desempenhar suas funções.

De acordo com dados apresentados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), o número de bebês em unidades de acolhimento de Fortaleza cresceu 40% após o segundo lockdown, em março de 2021. Para o MPCE, a falta de condições econômicas de muitas famílias e o aumento da taxa de morte dos pais são indicados como fatores determinantes  para elevado número de crianças e adolescentes privados de seu direito fundamental à convivência familiar e comunitária.

Paralelamente a isso, a suspensão das atividades presenciais do Poder Judiciário gerou inúmeras dificuldades ao procedimento de habilitação de pretendentes à adoção e aos processos de adoção. Ambos passaram por adaptações em suas etapas, majoritariamente presenciais.

O estudo social e a avaliação psicológica das famílias foram adaptadas para atender os requesitos do processo adoção, e estão sendo realizadas com o auxílio de ferramentas virtuais, assim como a vinculação entre os adotantes e as crianças e adolescentes .

No Ceará, diante desse cenário, o Poder Judiciário promoveu curso telepresencial para pretendentes à adoção com processos em Fortaleza e em comarcas do interior, com a contribuição dos grupos de apoio à adoção Acalanto Fortaleza e Rede Adotiva.

Os encontros online ajudam, mas a necessidade do distanciamento social deixou o processo mais lento.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o número de adoções de crianças e adolescentes vem caindo no Brasil. No primeiro trismestre de 2019 e de 2020 (janeiro a março), foram realizadas quase 700 adoções em todo o país. No entanto, nos três primeiros meses de 2021, foram registras menos de 300 adoções em todo o Brasil.

Diante desse contexto, para além do enfrentamento de tantos outros problemas estruturais que envolvem o sistema nacional de adoção, é urgente a necessidade de implementação e efetivação de políticas sociais públicas de auxílio às famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade com o objetivo de conter o crescimento do número de abandonos.

Cabe a nós, sociedade civil e comunidade, de forma individual ou organizada, cobrar do poder público ações capazes de assegurar às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o direito de crescer e se desenvolver no seio de uma família.

Precisamos seguir vigilantes e lutando para que histórias como a de Jonas não se repitam.

Marine Barros

Fontes

G1

https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2020/08/28/com-pandemia-cai-pela-metade-numero-de-adocoes-de-criancas-no-brasil-no-1o-semestre.ghtml

Diário do Nordeste

https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/metro/numero-de-bebes-em-unidades-de-acolhimento-de-fortaleza-cresce-40-apos-segundo-lockdown-1.3076889.

CNJ

https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-f74b5b5b31a2&sheet=4f1d9435-00b1-4c8c-beb7-8ed9dba4e45a&opt=currsel&select=clearall