O membro honorário vitalício da Ordem dos Advogados do Brasil, Reginaldo Oscar de Castro, representando o CFOAB, por delegação do Presidente Felipe Santa Cruz, realizou uma homenagem póstuma na terça-feira (4/1), durante missa de sétimo dia do jurista cearense e membro honorário vitalício da OAB Nacional e também da OAB Ceará, Francisco Ernando Uchôa Lima.

Confira na íntegra o discurso proferido por Reginaldo Oscar de Castro aos familiares e amigos presentes:

“Querida Dona Regina Uchôa e familiares, caras irmãs e caros irmãos.
Ernando Uchôa, um exemplo de cristão.
Poucas pessoas conheci, ao longo de minha vida, que encarnassem tão bem – e tão amplamente – as virtudes do cristianismo quanto o nosso amigo Ernando Uchôa Lima, cuja memória hoje aqui, nesta Santa Missa, reverenciamos.
Simplicidade, serenidade, solidariedade foram algumas das virtudes que fluíam naturalmente de sua pessoa e beneficiavam o seu entorno. Tudo sempre temperado por um fino senso de humor – e de amor ao próximo. Essas virtudes foram de imensa valia quando de sua presença no comando nacional da OAB, que ele assumiu em momento delicado da História, no triênio 1995-1998. Nos ensinou a lidar com os extremos sem se deixar por eles contagiar.
Lembro-me de uma ocasião em que, pressionado por sindicalistas radicais a participar do enterro simbólico de uma autoridade, esquivou-se: “Sinto, amigo, mas, como cristão, só vou a enterro de gente morta de verdade”. O processo de redemocratização do Brasil – sobretudo após o advento do regime da Constituição de 1988 – foi marcado por desafios e confrontos que fizeram por temer riscos de retrocesso. A própria Constituinte já fora marcada por essa tensão ideológica.
No campo da política foi necessária a ação de um estadista como Ulysses Guimarães para gerir esses conflitos, exercendo papel agregador, pacificador e até mesmo pedagógico, num país desabituado ao convívio dos contrários, isto é, à própria democracia. Forças poderosas buscavam barrar o avanço institucional, impedindo a regulamentação de diversos dispositivos constitucionais, anomalia ainda hoje não inteiramente superada.
A OAB, que teve papel primordial na restauração democrática do país, viveu internamente conflitos equivalentes. Felizmente, dispôs também de um estadista para geri-los e contorná-los. E esse estadista foi, sem dúvida, o nosso dr. Ernando Uchôa Lima, cearense de Fortaleza, falecido dia 27 de dezembro passado, aos 89 anos.
Ele foi o nosso Ulysses Guimarães.
Presidiu a Ordem, como já disse, em momento delicado, em que os dois extremos do espectro político, ameaçavam a paz social e se insurgiam contra a estabilidade econômica propiciada pelo Plano Real, que baniu a hiperinflação e fortaleceu a moeda nacional.
Internamente, esses conflitos ressoavam na OAB, que afinal é um microcosmo do país. Ernando, que havia exercido, como suplente, um mandato de senador pelo Ceará em 1978/79 – e tinha, portanto, vivência efetiva das tensões do processo político –, soube impedir que a pluralidade de visões (que é a essência da democracia) derivasse para confrontos e enfrentamentos, que impediriam a OAB de exercer sua missão institucional, de tribuna da sociedade civil.
Essa missão impõe – e poucos têm esse discernimento – distinguir a ação política da ação partidária. O Estatuto da OAB, que é lei federal, a compromete com a defesa da Constituição e da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito. Ou seja, impõe-lhe uma inserção na vida pública do país, na vigilância daqueles princípios.
Mas isso não se confunde – não pode se confundir – com ações político-partidárias. Ernando tinha segurança na escolha da direção da OAB – e soube transmiti-la. Soube unir a Ordem em torno daqueles princípios sem os quais não há democracia. E o fez sem prejuízo da pluralidade, apostando na força da convergência. E o fez com a serenidade e ponderação dos sábios, cativando até os mais resistentes.
Produziu assim, sem buscar a publicidade dos holofotes, a inflexão da postura de nossa entidade no período pós-ditadura, já com a Carta Magna de 1988 em plena vigência. Por isso, sei que não exagero quando o comparo a Ulysses Guimarães, considerando-os, cada qual de seu posto de ação e observação, pilares do Estado Democrático de Direito, de que ainda hoje desfrutamos.
Tive a honra de ter sido escolhido seu secretário-geral, no mandato que exerceu à frente da presidência do Conselho Federal da OAB, à qual chegou após dois mandatos na seccional do Ceará. Sucedi-o na presidência da Ordem, em 1988, já como beneficiário da ação pacificadora que exerceu, e sempre a ele recorrendo quando precisava dirimir dúvidas e contornar situações mais delicadas. Ele nos ensinou que a divergência, em vez de ameaça à democracia, é dela seu principal nutriente.
Encarnou, com modéstia exemplar, as virtudes cardeais do cristianismo, de que hoje tanto carecemos: Prudência, Justiça, Força e Temperança. Peço a Deus que seu exemplo nos inspire a todos, neste momento tão preocupante da História do Brasil.
Assim pensa a advocacia brasileira que ora represento, por generosa delegação do Presidente Felipe Santa Cruz.
Encerro pedindo a Deus que receba nosso querido amigo Ernando Uchôa Lima e conforte a todos que sentem sua ausência.”