Liberdade é não ter medo. Nina Simone revela uma verdade dolorosa para nós mulheres negras: ainda não somos livres. Há inúmeras repercussões do racismo estrutural que causam estas dores. No entanto, lanço uma reflexão sobre as nossas subjetividades: desfrutamos de liberdade afetiva? Somos livres para amar em toda a nossa potência?

Caminhar ao lado de uma mulher negra exige uma ressignificação gênero-racial dos afetos. Quem se propuser a nos amar, seja qual for a relação, deve lidar com a profundidade de nossas dores e com o sufocamento da potência afetiva enraizado pelo racismo-machismo. Quando inseridas em certos lugares de poder, sempre estamos em estado de alerta. Por que seria diferente nas relações afetivas?

Quando uma de nós é a “mulher amada, admirada, desejada”, quase sempre há uma “voz” que ecoa: “há algo errado”. É a nossa defesa perante as violências afetivas naturalizadas. A exaustão física e emocional desse processo levanta uma questão fundamental: onde está o descanso para o nosso sentir? Em que lugar nos é possível retirar a armadura e abraçar as fragilidades que também nos fazem humanas?

Desconfio que se há para nós um aprisionamento amoroso, é justamente entre pessoas negras que reside uma redenção que a lei, o estado e a academia não são capazes de promover: a liberdade afetiva plena.

O amor é político e revolucionário, não discordo. Mas creio que antes da batalha é preciso guarnecer nossos afetos e o primeiro abrigo sempre será o entrelaçado de braços e pernas negras. Afinal, quem enxugará as lágrimas de uma mulher negra se não quem já as derramou pelas mesmas razões? Quem saberá a cura, se não quem teve que tratar as mesmas feridas? Quem será o descanso se não quem está exausto das mesmas batalhas?

No dia em que as mulheres negras, latinas e caribenhas são celebradas, pergunto aos homens, mulheres e pessoas LGBTQIA + negras: além da disposição para lutar conosco, quanto do seu amor há para nós?

Para quem estiver disposto a ressignificar racialmente suas relações, ouso dizer: quando o afeto de pessoas negras se encontram, é como se o amor voltasse pra casa.

Clique aqui e confira o artigo publicado pelo jornal Diário do Nordeste.

Raquel Andrade, presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-CE.