Assisti Casamento às Cegas – Brasil. Me dei conta do quanto nós, pessoas negras, errando ou acertando, estamos dispostas a dar e receber amor. Do quanto somos generosos, maduros e dispostos.

Com olhar atento para as nuances afetivoraciais, alguns pontos me chamaram atenção no experimento. Primeiro e inquestionável: as demonstrações espontâneas de afeto. Nós não fazemos “força” para sentir. Segundo: a maturidade emocional dos participantes negros no programa. Se houvesse um prêmio por respeito à dignidade emocional própria e alheia neste experimento, todos os primeiros colocados seriam negros.

Estes participantes se desarmaram em rede nacional e se permitiram expor suas fragilidades, medos e sobretudo coragem, para enfrentar as dores emocionais causadas pelas repercussões do racismo na construção de suas relações afetivas. Tudo isso me fez pensar o quanto somos imensos em nossa potencialidade de sentir o que há de bom e de bem acolher o que sentem por nós.

O amor é político, é um todo para a humanidade, mas se exprime nas relações subjetivas.

Imagine o tamanho de pessoas que há séculos recebem do mundo rejeição, violência e objetificação nas relações afetivas e ainda dão amor como resposta? O amor consciente, seguro, responsável. Ah, nós somos grandes. Nós somos imensos.

Já escrevi uma vez que quando pessoas negras se encontram é como se o amor voltasse pra casa. Hoje, penso que o amor afrocentrado é a nossa própria casa. Uma casa que precisa de reparos, acabamentos, às vezes grandes reformas. Mas sempre será nossa morada. Apesar de tudo, encontraremos entre nós, a morada para nossos sonhos e desejos desarmados que chamam por um dengo, um chamego.

É vívida a potência de amar profundamente entre nós, homens e mulheres racializados política e afetivamente. E mesmo quem ainda não teve a vivência do amor afrocentrado, me parece que ele sempre existiu potencialmente em nós. Encontrá-lo é reencontrar a nossa ancestralidade. É, encontrar o nosso lar em nós e entre nós.

Sem desmerecer as experiências dos relacionamentos interraciais, ouso dizer:

Viajar é bom. Mas voltar pra casa é melhor. ”

Raquel Andrade é presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-CE.
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