No ano passado, o Senado Federal criou a Comissão de Juristas para revisão e atualização do atual Código Civil, instituído pela Lei nº 10.402, de 10/01/2002. Dentre outras Subcomissões, foi formada a de Direito de Família a fim de consolidar os avanços doutrinários e jurisprudenciais, acompanhar a evolução da sociedade e incorporar a contribuição multidisciplinar de outros saberes e a transformação científica e tecnológica.

A família contemporânea tem sua base firmada no afeto e na solidariedade com os objetivos essenciais de proporcionar aos seus membros a realização individual, a concretização da dignidade humana e o
direito à felicidade. E como linguagem é poder, a primeira e mais importante alteração proposta para a nova legislação civil é a mudança da nomenclatura de “Direito de Família” para “Direito das Famílias”, a qual consagra a pluralidade familiar e reconhece a existência de outras entidades familiares.

Nessa linha de transformação, o anteprojeto baniu a expressão “homem” e “mulher” das normas disciplinadoras do casamento e da união estável e substituiu pela expressão “duas pessoas”, sedimentando o reconhecimento legal das uniões homoafetivas. A respeito do exercício da parentalidade propõe a equiparação dos papeis parentais, com atenção às questões de gênero, constando expressamente que as pessoas integrantes das entidades familiares têm o dever recíproco de assistência e participação nos encargos da família e cuidados com os filhos.

Assim, torna irrenunciáveis os deveres decorrentes da autoridade parental e o compartilhamento da convivência.
No âmbito da filiação, inseriu a paternidade socioafetiva e a multiparentalidade permitindo que as parentalidades biológica e afetiva possam coexistir, dando ênfase ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos. Outra importante alteração é a possibilidade do divórcio unilateral em cartório, ainda que o outro cônjuge não concorde. Isso garante a dissolução do vínculo conjugal, mas reserva o direito a que outras questões da esfera existencial ou patrimonial sejam discutidas judicialmente.

No campo do direito patrimonial, o anteprojeto limita os regimes de bens à comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens e separação de bens. Deixará de existir o regime da separação obrigatória de bens, hoje aplicado, por exemplo, a quem tem 70 anos de idade ou mais, obrigação já relativizada pelo STF na última quinta-feira. Na
perspectiva de celeridade e desburocratização, a alteração de regime de bens ocorrerá de forma extrajudicial, valorizando a autonomia privada.

Espero que essas alterações legais sejam aprovadas pelo Parlamento, pois buscam a desjudicialização de diversos atos da vida civil, a proteção ao poder de escolha dos indivíduos dentro da condição de autogerir-se e asseguram a responsabilidade ética do afeto.

Mariana Pedrosa, advogada, conselheira estadual da OAB-CE e presidente do IBDFAM Cariri 

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