É algo raro abster-se o poder público de exercitar a competência para instituir e cobrar tributo, que lhe é atribuída pela Constituição Federal. Temos o caso do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), para cuja instituição está a União autorizada desde o advento da Constituição de 1988, e o caso da Contribuição de Melhoria, que há muito não tem sido cobrada no Brasil.

O IGF não foi e nem será instituído por uma razão muito simples. Os que mandam no mundo são titulares de grandes fortunas e não gostam de pagar tributos. Já a Contribuição de Melhoria não vem sendo cobrada por outras razões. Há quem afirme que a razão dessa abstenção do Poder Público seria a exigência legal da prévia realização da obra. Isto inviabilizaria esse tributo como fonte de recursos para o custeio das obras públicas. Ocorre que as entidades públicas podem conseguir empréstimo em instituição financeira e utilizar a contribuição de melhoria para o respectivo pagamento. Na verdade a causa para a abstenção governamental de que se cuida é outra. É o desejo de manter em sigilo as coisas públicas, que se tem manifestado em diversas situações, inclusive na prática dos denominados atos secretos, no Senado Federal.

Realmente, a lei exige a publicação do orçamento, e este, com todos os seus detalhes, deve ficar disponível para os contribuintes, que poderão impugnar o custo da obra. A instituição da contribuição de melhoria funciona, então, como estímulo aos seus contribuintes, para que tomem a iniciativa de questionar o custo da obra pública a cujo custeio se destina. Custo que é afinal o limite total do valor da contribuição a ser cobrada.

Melhor, portanto, para o governante, é não despertar o interesse de alguém para questionar a possível ocorrência de superfaturamento, que é sabidamente comum nas obras públicas, embora geralmente não seja questionado.

Outra razão para a não instituição de contribuição de melhoria pode ser a prática de aproveitar-se o governante, para ele próprio ou para seus amigos, do conhecimento prévio de que determinada obra será realizada, passando a adquirir os imóveis que serão objetos da valorização correspondente. Em tais casos a cobrança da contribuição anularia a vantagem decorrente da informação privilegiada.

Entendemos, porém, que a causa mais importante da abstenção governamental na cobrança desse tributo é o desejo de evitar questionamentos em torno do custo das obras. Sabemos todos que as pessoas em geral não se sentem motivadas a esse questionamento, embora qualquer um que conheça o funcionamento das denominadas empreiteiras saiba que o superfaturamento é a regra nessa atividade. Como ninguém questiona o custo das obras, é natural que os governantes se abstenham de estimular esse questionamento.
 

Hugo de Brito Machado – Prof. de Direito Tributário da UFC e pres. do Instituto Cearense de Estudos Tributários
 

 

Fonte: Jornal O Povo – 01/05/2011