Uma proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, está em discussão para que os processos judiciais sejam finalizados e executados após a decisão da segunda instância.

 
 
SIM
 
Ricardo Ferraço, senador (PMDB-ES)
 
Cadeia é só para pobre, reza a sabedoria popular. Não é para menos. Quem tem dinheiro paga um advogado e consegue entrar com um recurso judicial atrás do outro, jogando para frente a decisão final sobre o caso. O jornalista Pimenta Neves, por exemplo, que era réu confesso, só foi parar na cadeia 11 anos depois de matar a tiros ex-namorada. E não é raro o caso em que, de recurso em recurso, o crime acaba prescrevendo antes da sentença definitiva.
 
Na área civil, não é muito diferente. O devedor mais humilde cai logo nas malhas da lei. Não conhece nem tem como bancar manobras protelatórias. Mas se o devedor tem poder financeiro, ele consegue adiar a quitação de suas dívidas – e isso vale para o Estado, que arrasta o quanto pode o pagamento de precatórios, ou seja, de dívidas já reconhecidas pela Justiça. Quantas vezes só netos estão vivos para receber o dinheiro a que avós tinham direito.
 
A impunidade do Judiciário brasileiro é fruto da existência de quatro instâncias judiciais (juízes, tribunais estaduais ou regionais federais, tribunais superiores e Supremo Tribunal Federal). Uma sentença só pode ser executada depois do processo transitado em julgado, ou seja, depois que não for admitido mais qualquer recurso, em nenhuma instância. Convém ressaltar: os recursos existem para assegurar o amplo direito de defesa, mas a Constituição de 1988 fala apenas em duas instâncias recursais.
 
Certo é que o Supremo Tribunal Federal (STF), que deveria se dedicar preferencialmente a questões constitucionais, transformou-se, na prática, em “corte recursal suprema”. Entre 1988 e 2009, quase 92% dos processos que chegaram à mais alta corte do País foram recursos de conflitos já julgados em pelo menos duas instâncias. Só em 2006, foram 111 mil novos recursos.
 
Mas e o instituto da repercussão geral e a adoção da súmula vinculante? Nos últimos anos, eles realmente reduziram a pressão sobre o Supremo, mas ainda estão bem longe de esvaziar suas gavetas.
 
Para desatar esse nó que emperra o Judiciário, um dos caminhos é garantir a decisão final dos processos em segunda instância, sem prejuízo do direito de defesa no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no STF. A sugestão, idealizada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, já está sendo examinada no Senado, por meio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de minha autoria.
 
Aprovar essa proposta é um passo e tanto para azeitar a máquina judicial, já que, sem a função protelatória, o número de recursos ao STJ e STF cairia. É também ganhar uma batalha importante contra a impunidade que ainda envergonha o nosso País.
 
NÃO
 
Valdetário Andrade Monteiro, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Ceará (OAB-CE)
 
A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Ceará (OAB-CE), realizou em sua página na internet, consulta à classe conclamando os internautas a se manifestarem sobre a chamada “PEC dos Recursos”. Com a pergunta “Advogado, na sua opinião, devem ser mantidos recursos judiciais ao STJ e ao STF na reforma do Código de Processo Civil?”, obtivemos 2.381 participações, sendo que destas, 64,93% firmaram posição contraria à PEC e somente 35,07% a favor.
 
Ideia gestada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso, a Proposta de Emenda à Constituição nº 15/2011 foi encampada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) e está em análise na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.
 
Talvez para nós advogados o entendimento real do assunto seja mais nítido, importando numa análise conjuntural do tema, pois com a mudança proposta na PEC, as decisões judiciais de segunda instância seriam aplicadas imediatamente, com o trânsito em julgado dos acórdãos.
 
Num Judiciário lento no qual os índices de morosidade e lentidão avançam muito além da barreira do suportável, a primeira leitura do tema pode levar a conclusões precipitadas e equivocadas, como a de que acabando com os recursos às instâncias superiores todo o Judiciário brasileiro passaria a funcionar perfeitamente, sem gargalos e sem omissões.
 
O primeiro fato relevante a ser considerado é que tal alteração constitucional provocará injustiças, como a prisão de inocentes que poderiam ser absolvidos em instâncias superiores, mas que, segundo a proposta de emenda à Constituição, teriam seus recursos analisados tão somente dentro de seus próprios Estados, ainda sob o clamor de fatores políticos, sociais e econômicos.
 
O segundo importante fato decorre de que no Brasil o grande responsável pela morosidade do Judiciário é o próprio governo, incluindo Municípios, Estados e a União. Estes entes são os maiores promoventes e figurantes no polo passivo das ações judiciais em tramitação no País e, após anos de postergação e recursos muitas das vezes meramente protelatórios, ainda se utilizam dos famigerados precatórios, forma clara de perder e não pagar.
 
Desta feita, mesmo em simplificada análise, a dita “PEC dos Recursos” pouco, ou em nada, contribuirá para solução dos atuais índices de morosidade do Judiciário brasileiro.
 
EM TERMOS
Pablo Cerdeira, professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio)
 
O problema com os recursos até o Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) é conhecido. Nos últimos 21 anos, apenas no STF, os ministros tiveram que julgar uma média de um processo a cada dois minutos para dar conta do volume. Isso não é razoável. O presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, em entrevista recente, disse que algumas situações podem ser classificadas como “desesperadoras”.
 
Além da sobrecarga de processos, que gera lentidão no Judiciário como um todo, esse modelo recursal é excludente. Levar um processo até Brasília é trabalhoso. Consequentemente, caro. Isso faz com que os recursos aos tribunais superiores acabem sendo, de fato, uma ferramenta à disposição apenas de um grupo muito limitado: grandes empresas e pessoas com condições de custear advogados caros.
 
Se aprovada, a PEC trará mais igualdade de condições às partes. O direito ficará mais parecido para pessoas com capacidades diferentes. Casos como o de Pimenta Neves e do jogador Edmundo não acontecerão mais. Também teremos o STJ e o STF mais focados em grandes questões nacionais, e não apenas em disputas individuais.
 
Por outro lado, é sabido que muitas vezes os juízes e desembargadores estaduais decidem em desacordo com entendimentos já fixados nos tribunais superiores. Esse é um problema sério que pode gerar entendimentos divergentes pelo País. Em um Estado, um direito, em outro, outras regras.
 
Isso precisa ser controlado. E não só pelo próprio Judiciário, mas também pela sociedade. Hoje as pessoas sabem muito sobre o que acontece nos tribunais em Brasília graças à abertura dos tribunais superiores (TV e Rádio Justiça) e à cobertura da imprensa. Mas muito pouco se sabe sobre o Judiciário local. Por razões óbvias: quem acaba decidindo os casos de maior repercussão são sempre os tribunais em Brasília. As decisões locais têm pouca importância e recebem pouca atenção.
 
É por essa razão que as associações de Magistrados Brasileiros, dos Juízes Federais e Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, e presidentes de Tribunais de Justiça estaduais apoiaram a mudança em recente visita ao STF. Com ela, as justiças locais poderão desempenhar papel muito mais relevante.
 
A “PEC dos Recursos” pode trazer efeitos muito positivos para o Judiciário e, principalmente, para os usuários da Justiça. Mas para que funcione bem é preciso que a sociedade também se adapte. Os tribunais locais precisarão ser tão transparentes quanto os superiores, e a sociedade precisará olhar para eles também, e não só para o Planalto.
 
 
Fonte: Jornal O Povo