Paulo Maria de Aragão*

Jovens protagonistas, radicais desafiavam a tudo e a todos. Mostravam-se ferrenhos opositores do ancien régime, mas a névoa do tempo esgarçou seus ideais e, como num passe de mágica, aprenderam a ladinice de como usurpar os benefícios oriundos da sofrida República. Conciliados os interesses pessoais, embotou-se o passado que se dizia “de lutas”.

Sob as benesses palacianas, no entra e sai de governos, converteram-se em fiéis cortesãos dos poderosos. Não largaram o osso, as convicções sim! De bolchevistas passaram a bem-sucedidos homens de negócios. Com poucas exceções, muitos continuaram a honrar os seus princípios e ideais e a lutar por eles.

As manifestações de agora expressam a indignação cidadã, um basta à violência, à corrupção e à impunidade. Ora, se os partidos políticos silenciam sobre tais pechas sociopolíticas, essas manifestações constituem um eloquente sinal democrático, fiador da força soberana e da liberdade moral da nação.

É importante que a defesa dessas posições afaste os infiltradores; ingenuidade seria não admitir os quintas-colunas que as toldam mediante vandalismo, danificando os patrimônios público e privado. Com efeito, é legítimo o protesto social, e à polícia cabe acompanhá-lo, a fim de conter os excessos.

Que a militância não vislumbre o propósito de tirar proveito da situação, levando-se por ambições pessoais desmedidas. Carlos Heitor Cony, em entrevista à Folha de São Paulo (16.09.12), mesmo sem foto para provar, relatou, com todas as letras, que “o próprio Lula desfilou numa daquelas marchas da família, em São Paulo”, “no pré-1964”,clamando pela intervenção militar no governo.

Ao contrário do que se diz, o poder não modifica, põe à mostra o recôndito do caráter de certas pessoas. Machado de Assis, no poema “A Mosca Azul”, bem o explica, pois narra a história de um carpinteiro que foi fascinado pelo inseto ao encontrá-lo por acaso. Tomado de soberba, perdeu a humildade e a simpatia e passou a julgar-se todo-poderoso. Possuído pela curiosidade, quis desvelar o enigma da “mosca azul”; após tê-la dissecado, viu tratar-se de inseto nojento e fétido.

Aliás, nem sempre as coisas são o que parecem; daí o contraponto com a essência da verdade. Por isso, aqueles tocados por sua beleza contagiam-se pelo vírus da fraqueza humana e perdem o senso crítico.

A inexistência da bela mosca também demonstra que o poder não é eterno. E mercê da internet, as fronteiras da democracia abrem-se à cidadania a fim de que se coíba o mau uso do dinheiro público. Por isso, vem tirando o sono de muita gente no país tropical.

(*) Advogado, professor e membro do Conselho Estadual da OAB-CE.