Paulo Maria de Aragão (*)

A sabedoria proverbial traduz a realidade do poder: “Se queres conhecer o vilão, mete-lhe a vara na mão”. Talvez, Montesquieu conhecesse esse adágio português; daí vem a advertência do autor de “Do Espírito das Leis”, nesta conhecida passagem: “A experiência eterna mostra que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar; vai até onde encontra limites. Quem o diria? A própria virtude precisa de limites. Para que não se abuse do poder, é necessário que pela disposição das coisas o poder limite o poder”.

Onde impera a hipocrisia e o cinismo, o exercício da ilicitude é visível e não perplexa. Contudo, afeta o bem-estar dos cidadãos ante a perversão da ética no poder e da ordem jurídica. Estaremos predestinados a aceitar que o vírus da corrupção é genético?

Ousa-se discordar, o povo ordeiro está nas ruas e adentra, sem temor, os corredores fétidos do poder. Parece cansado da demagogia e do fato de que não há solução mágica para extirpar a bandalheira difusa, por isso não mais se conforma em ser um país de sem-vergonha.

Por isso, em um Estado incapaz de manter atitudes de respeito, é ilusão falar em cidadania – credulidade tem limites. Há pouco, a mídia tornou conhecida a tentativa de o Supremo Tribunal Federal justificar gastos com passagens para as esposas de ministros, a fim de os acompanharem em viagens, fazendo-o com base em ato administrativo por falta de legislação pertinente.

Como uma resolução legitima o ilegitimável? Como autoriza o inautorizável? Ao erro estão sujeitos até mesmo os mais prudentes, mas há benesses inaceitáveis. Em especial, quando advindas do STF, do qual se espera o melhor exemplo, a plenitude do exercício da ordem jurídica.

A cidadania se aperfeiçoa por meio da justiça e de bons exemplos. O comportamento de cada cidadão influi na vida de uma sociedade. Não se legitimam atos imorais. O uso de aviões da FAB, v.g., não pode ter a missão desvirtuada como se fossem verdadeiros bens particulares. Será que os oportunistas não sabem a diferença entre servir ao público e dele tirar proveito?

Até quando conviveremos com sinecuras, mordomias e inumeráveis estripulias prodigalizadas de benefícios e liberalidades? Normas jurídicas existem para combater ilicitudes. Difícil não é exigir as normas, mas o seu cumprimento por parte daqueles que, pela disciplina dos poderes, deveriam ser paradigmas.

Contudo, a consciência republicana parece despertar. A partir daí, poderá então se acreditar no episódio de “O Moleiro de Sans-Souci”, conto de François Andrieux: o Frederico II açodava esse moleiro com o objetivo de desapropriar-lhe o moinho de vento, pois desfigurava a paisagem de seu castelo. O humilde moleiro resistiu às ameaças do déspota esclarecido mansamente, dizendo-lhe: “Ainda há juízes em Berlim”. O rei recuou e a história permanecesse simbolizando a grandeza e a força da Justiça. Pelo que se vê, a saída caminha e ecoa por nossas ruas, avenidas e praças.

(*) Advogado, professor e membro do Conselho Estadual da OAB-CE.