Por Paulo Maria de Aragão (*)

Machado de Assis, também emérito contista, ao escrever “A Igreja do Diabo”, fala de um velho manuscrito beneditino no qual o diabo teve a ideia de fundar uma igreja. O projeto baseava-se no fato de se sentir humilhado por Deus, na inveja em não ter o seu próprio templo, e isso o consumia. Por essa razão, determinou-se a combater as outras religiões e destruí-las.

Invocando lealdade, para não ser acusado de fingimento, visitou o Senhor, a Quem participou seu propósito. Instalada a igreja, seus adeptos passaram a cometer os sete vícios capitais: luxúria, gula, avareza, inveja, ira, soberba, vaidade e preguiça; elegeu-os como indispensáveis à ventura da existência humana.

A despeito de obedecerem aos mandamentos hedonísticos, vacilavam, por livre escolha, entre o bem e o mal. Em face dessa dualidade de intenções, que define nosso mundo, ora se faziam partidários do diabo, ora, embora às ocultas, praticavam atos virtuosos. Ao tomar ciência dessas vicissitudes, o mentor da nova igreja, desiludido, foi ter com Deus, a fim de saber as causas da dubiedade. Do alto de Sua indulgência, Ele resumiu: “É a eterna contradição humana”.

Afinal de contas, somos seres complexos. Todos sabem que ninguém é inteiramente bom ou mau – dentro de nós convivem anjos e demônios. Quem nunca, em seus pensamentos secretos, tencionou provocar o infortúnio ao inimigo, ofendeu o próximo ou mentiu? Basta lembrar a passagem bíblica em que Jesus, ao desafiar os fariseus, quando Madalena se achava prestes a ser apedrejada, sentenciou: “Quem entre vós não tiver pecado, que atire a primeira pedra”. De igual forma, as palavras do Rei Salomão: “Não há um só justo na terra, ninguém que pratique o bem e nunca peque”.

As deliberações humanas prendem-se a apetites e aversões – problema teológico, além de contraditório. Nada é absoluto. A vida, por si própria, não passa de movimento em que o bem e o mal são exercitados. O conto machadiano emblema a essência do homem: um ser fraco e imperfeito. Aliás, prescinde-se de maiores incursões filosóficas para se chegar a tais conclusões.

Graças a Deus, o mundo não é dominado pelo mau e por paixões mundanas. Há os que vivem de virtudes, da prática de boas ações, de amor e decência; são os heróis anônimos, simples e honrados que dizem o porquê da existência dos opostos: o bem e o mal.

(*) Advogado, professor e membro do Conselho Estadual da OAB-CE.