A Constituição de 1988 determinou, especificamente em seu artigo 94, que a composição dos tribunais regionais federais e dos tribunais de justiça das unidades da Federação deve destinar um quinto de suas cadeiras a profissionais advindos da advocacia e do Ministério Público, desde que exerçam suas respectivas carreiras por no mínimo dez anos. Exatamente deste contexto surge a famosa expressão “quinto constitucional”. No mais, quatro quintos das vagas são preenchidas por juízes de carreira, respeitadas as regras de promoção por antiguidade e merecimento.

Recentemente, e sempre em decorrência de algum julgamento episódico e promovido por magistrado advindo da advocacia, setores da sociedade civil resolveram direcionar críticas a esta regra constitucional. Querem alguns, em resumo, suprimi-la. Citamos como exemplo o lançamento pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES) de um documento, tão breve quanto superficial, intitulado “Manifesto contra o quinto constitucional”.

O texto, verdadeira ode ao sectarismo judiciário, chega ao ponto de comparar os integrantes dos tribunais nomeados pelo “quinto” com os “senadores biônicos” dos tempos da ditadura civil-militar. Mais ainda, estabelece a perversa premissa da “infalibilidade” do concurso público, a qual conduz à errônea conclusão de que as demais carreiras jurídicas jamais teriam nada a contribuir com o Poder Judiciário brasileiro.

Estas posturas refratárias ao “quinto constitucional” derivam, em boa medida, de duas questões muito importantes para o momento atual da advocacia brasileira e que, aqui, devem ser destacadas. A primeira delas, de cunho mais específico, diz respeito à falta de percepção do relevantíssimo papel assumido por advogados no âmbito das cortes de Justiça. Não há dúvidas de que o exercício da advocacia permite um olhar humano sobre os conflitos e os dilemas sociais de forma muito mais acurada e sensível se comparada a qualquer outra atividade.

O advogado, sempre conectado com a vida real e mais excluído da burocracia inerente a qualquer atividade estatal, consegue, como poucos, ver a disputa judicial com parcimônia, equidade e sentimentos. Apenas ao advogado é dado saber as verdadeiras e profundas consequências pessoais, familiares, afetivas e sociais de uma decisão proferida. Nesse sentido, excluir a advocacia da composição dos tribunais é péssima bandeira, eis que significa cerrar as portas para o lado mais concreto e humano do Direito. Implica esquecer que o fenômeno jurídico vai muito além dos livros e dos autos.

A segunda questão é mais ampla e complexa, pois retrata o quadro atual de inserção da advocacia na sociedade. Dito de modo direto, parece que muito da oposição que surge a respeito da importância dos advogados na composição dos tribunais deriva de um descrédito sem precedentes a que se permitiu sofrer a nossa profissão. O cotidiano dos tribunais é cada vez menos propenso a nos ouvir. Nossas prerrogativas são diariamente vilipendiadas pelas mais diversas autoridades. Propostas legislativas cada vez mais avançam no sentido de tornar a advocacia dispensável e largar o cidadão ao desamparo de seus direitos.

Jovens advogados sofrem com a falta de oportunidade de trabalho e com o déficit de formação profissional. Se não bastasse, a advocacia perdeu seu espaço na disputa por aquilo que é mais importante para o nosso País, isto é, a luta pela consolidação definitiva do Estado Democrático de Direito e de uma sociedade livre, justa e igualitária.

A advocacia se vê injusta, desmerecida e perigosamente exposta a esse cenário mais pontual relativo aos ataques feitos ao quinto constitucional e numa visão mais abrangente a toda sorte de violação das prerrogativas profissionais. Seria de se indagar a quem ou a quais interesses servem o enfraquecimento institucional e o desrespeito das prerrogativas. A preocupante resposta exige reação imediata da advocacia brasileira.

No entanto, a Ordem dos Advogados do Brasil, principal órgão que nos representa, tem se calado diante das questões realmente relevantes. Omitiu-se a respeito de nossas dificuldades e vicissitudes, bem como se acovardou perante abusos contra a nossa profissão e a sociedade brasileira em geral. A defesa da legalidade e do Estado de Direito é a bandeira que a OAB não pode jamais deixar de hastear, pois é símbolo do encontro do congraçamento entre a advocacia e população.

Os discursos que hoje atacam o “quinto constitucional” devem ter os seus equívocos desnudados, mas também devem servir para nós advogados refletirmos, com serenidade e coletivamente, a respeito do destino do Brasil e da mais cidadã de todas as profissões. Não pode mais ser tolerado qualquer ataque às prerrogativas das advogadas e dos advogados brasileiros, sobretudo porque estão elas a serviço não apenas do exercício de um trabalho indispensável à administração da justiça, mas especialmente porque tenham como destinatários finais a própria sociedade.

É deste modo que se pode concluir que quando a OAB se omite a respeito da agenda institucional do século XXI ela não apenas descumpri seu papel de entidade responsável pelos destinos da advocacia no Brasil, mas, essencialmente está prestando incompreensível desserviço à sociedade.

Os tempos modernos exigem uma nova visão sobre o papel da advocacia na consolidação definitiva do Estado de Direito, não havendo espaço para tão obscuras compreensões sobre o papel do quinto constitucional e a necessidade das prerrogativas profissionais.

Fonte: JOTA