A advocacia jamais contou com a benquerença dos detentores do poder. É próprio da natureza da atividade o seu caráter contramajoritário, o permanente contrapor-se ao arbítrio e às violências perpetradas pelo mais forte, muitas das vezes personificado no próprio estado, esse grande Leviatã.

Arrostar a maré montante da incompreensão da opinião pública é outro obstáculo a que não raro se tem de enfrentar. Quanto mais autoritário é o regime e recorrente o desrespeito às liberdades civis, tanto mais isso é verdadeiro. Tem sido assim. Esse estado de coisas remonta a tempos imemoriais.

É conhecido o trecho da peça Henrique VI, do genial William Shakespeare, em que a personagem Dick, o açougueiro, membro de um grupo de revoltosos que então se articulava para derrubar o rei – grupo em relação a quem o bardo inglês não nutria qualquer simpatia, por reconhecer-lhe a natureza autoritária – concita: ” a primeira coisa a fazer é matar todos os advogados. ”

A história da advocacia brasileira é rica de exemplos de advogadas e advogados que fizeram da tribuna de defesa uma cidadela para proteção dos direitos humanos e das franquias democráticas, desafiando ditaduras e as forças da opressão.

Pagaram muitas vezes com a própria vida e a liberdade o preço de sua coragem e indignação cívicas.

Entre nós, durante os anos de chumbo da ditadura militar, despontou a figura de Wanda Rita Othon Sidou, três vezes conselheira da seccional cearense da Ordem dos Advogados do Brasil e primeira mulher a integrar seu corpo diretivo.

Sua trajetória profissional foi sempre pautada pela defesa corajosa e abnegada dos perseguidos pelo regime dos generais de 1964. Denunciava sevícias e torturas.

Não lhes cobrava um centavo sequer, convencida de que no seu ministério profissional promovia a defesa da liberdade, dos valores democráticos e do ideal de justiça.

Dentre os muitos episódios que marcaram sua atuação no período, um há que destacar. Nos idos dos anos 1970, quando patrocinava a defesa do dirigente comunista José Duarte nos auditórios da justiça militar, teve o acusado negado o direito à voz – pretendia ele promover a própria defesa.

Diante da negativa, a advogada Wanda Sidou toma do discurso preparado por seu constituinte e profere de viva voz um libelo candente contra a ignomínia da ditadura e suas nefandas práticas. A ousadia despertou a ira do regime, valeu-lhe retaliações.

A vida e luta da advogada Wanda Sidou é fonte permanente de inspiração para os que creem ser a advocacia profissão essencial ao gozo pleno das liberdades democráticas, à afirmação e promoção dos direitos e garantias individuais.

Neste mês de maio celebra-se o centenário de nascimento da advogada Wanda, cujo nome e luta restam gravados em letras indeléveis na memória afetiva da advocacia e de todos os democratas desta terra. Através deste artigo presto-lhe as minhas reverências

Clique aqui e confira o artigo publicado pelo jornal O Povo.

Hélio Leitão, advogado.