Por Sabrina Veras

No Brasil, a primeira mulher a exercer a advocacia foi a advogada Myrthes Campos, em 1875, porém sua legitimidade como profissional do Direito, foi reconhecida pelo Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), somente em 1906, na época a condição de ser pessoa do gênero feminino era um fator limitador para o acesso ao ensino superior e de exclusão no mercado de trabalho.

Em 1930, foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade na qual atualmente todas as pessoas que desejam exercer a advocacia no território brasileiro, precisam estar formalmente inscritas em suas seccionais e subseccionais. Em 2021, o número de mulheres inscritas na OAB superou o de homens. Neste sentido, atualmente dos 1.292.123 profissionais da advocacia no Brasil, 656.342 são pessoas do gênero feminino e 635.781 são pessoas do gênero masculino, logo as mulheres representam aproximadamente 51% dos inscritos, conforme os dados que são atualizados diariamente pelo Conselho Federal da OAB (CFOAB).

A Constituição Federal, em seu artigo 133, dispõe que a advocacia é essencial à administração da justiça. Isso quer dizer que se trata de um serviço técnico indispensável para aqueles que buscam mediante a aplicação das leis, soluções jurídicas aos conflitos inerentes à vida em sociedade. Por conseguinte, o artigo Art. 2º, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906/94, reforça a essencialidade da profissão, estabelecendo ainda a sua função social, o múnus público e a inviolabilidade dos seus atos nos limites da lei. Para garantir às cidadãs e aos cidadãos que seus representantes jurídicos atuem de forma plena, independente e autônoma nas consultorias, assessorias e direções jurídicas, os artigos 6º, 7º, 7º – A, 7º – B, da Lei 8.906/94, exemplificam os direitos e as prerrogativas inerentes à essa profissão.

Em 2016, entrou em vigor Lei n. º 13. 363/16, também conhecida como Lei Julia Matos, que altera a Lei 8.906/94, com a inclusão do artigo 7º- A, que dispõe especificamente sobre os direitos inerentes às mulheres advogadas gestantes, mães, lactantes e adotantes. A alteração do Estatuto só se tornou possível graças ao engajamento e articulação de muitas mulheres advogadas, em especial a advogada Daniela Teixeira.

A advogada Daniela Teixeira, com 29 semanas da sua segunda gestação, precisou realizar uma sustentação oral em uma audiência no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em virtude da sua gravidez requereu preferência na ordem das sustentações orais, que, porém, foi indeferida. Diante da negativa, precisou esperar por um longo período para finalmente poder realizar a sustentação oral, porém devido a essa espera teve complicações na gravidez, que culminou no nascimento prematuro de sua filha, Julia Matos. Logo, em razão das violações sofridas enquanto mulher gestante no exercício a advocacia, a Lei 13. 363/16, que altera o Estatuto da OAB, leva o nome da filha da advogada.

Outra conquista importante para as mulheres advogadas foi a Resolução 05/20, aprovada pelo CFOAB, que altera o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, garantindo a participação paritária de gênero nos cargos eletivos de direção e gestão das seccionais, subseccionais, das Caixas de Assistência e do CFOAB. Em decorrência dessa conquista, nas eleições da OAB no ano de 2021, pela primeira vez na história das 27 seccionais foi possível eleger 5 lideranças femininas para presidência nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso e Bahia. Essa mudança garante o incentivo da liderança feminina no aspecto institucional da ordem, como também possibilita avanços de diversas discussões sobre o enfrentamento das violências, assédios e a outras formas de discriminação da mulher na sociedade e no exercício da advocacia.

Muito embora alguns direitos tenham sido garantidos às profissionais da advocacia feminina, muitos ainda são os desafios enfrentados e cotidianamente nos deparamos com ocorrências de discriminação gênero e violações aos direitos já conquistados pelas mulheres advogadas, pelo simples fato de sermos mulheres. Podemos observar situações de discriminação e violência de gênero na advocacia quando mulheres advogadas são: impedidas de ingressar em fóruns, presídios, delegacias e outros prédios públicos, devido o tamanho da saia; quando não é garantida a prioridade nas sustentações orais e das audiências às advogadas gestantes, lactantes, adotantes; quando submetidas a detectores de metais e aparelhos de raio X, ainda mais quando as imagens são observadas por homens; quando são preteridas em relação aos homens para exercer o cargo de gestão ou liderança nos escritórios e departamento jurídicos nas empresas, por desejarem exercer a maternidade, por terem características inerentes a feminilidade ou simplesmente por não tolerarem a liderança feminina; quando não há equiparação salarial em relação aos advogados que exercem hierarquicamente o mesmo cargo, ainda que possuam currículos mais qualificados; quando são assediadas sexualmente, agredidas física ou psicologicamente pelas autoridades, servidores públicos ou até mesmo por clientes e advogados; quando suas falas são interrompidas em reuniões e audiências, dentre outras situações.

Em razão destes e muitos outros desafios enfrentados pelas mulheres advogadas, precisamos continuar lutando por avanços sociais e na legislação, para prevenir, penalizar e combater a subnotificação das denúncias e em ralação aos atos que violam a dignidade da mulher na advocacia. Uma grande conquista seria o reconhecimento da violência de gênero contra a mulher como hipótese de violação de direitos e prerrogativas da mulher advogada, pois permitira que a OAB através de um instrumento normativo, combatesse e penalizasse administrativamente situações de discriminação de gênero no exercício da advocacia. Além disso, também se faz necessário garantir a participação de mais mulheres, especialmente que compreendam o machismo estrutural, nos órgãos de defesa dos direitos e prerrogativas da advocacia, bem como nos tribunais de ética e disciplina da OAB, a fim de garantir a escuta humanizada das vítimas e maior visibilidade da vivência feminina e dos atos que oprimem e discriminam as mulheres.

Sabrina Veras é Advogada; técnica em Gestão Pública; Vice-presidente administrativo do Tribunal de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia OAB-CE (2022/2024) ; Conselheira Jovem OAB-CE (2019/2021); Membro da Comissão da Mulher Advogada OAB-CE desde 2018; membro titular do Conselho Cearense do Direitos da Mulher (2020/2024). Tornou-se conhecida dos operadores do Direito e da sociedade em geral haja vista sua coragem e iniciativa no enfrentamento de condutas arbitrárias e desrespeitosas às prerrogativas da advocacia. Em virtude de sua conduta combativa e destemida, o dia 21 de março de 2018, ficara marcado como data em que ocorrera o maior ATO DE DESAGRAVO PÚBLICO em Defesa das Prerrogativas da Advocacia no Estado do Ceará.

Fonte: Na Pauta Online