A privatização dos bens naturais (matas, rios, solos e minérios) tem prejudicado, sobretudo, indígenas e pescadores ribeirinhos. Em todo o Brasil, é crescente o número de áreas públicas e do meio ambiente que está sendo privatizado pelos governos e grandes empresas.
A situação gera permanentes atritos e discussões entre famílias afetadas com as desapropriações e os grupos de interesses políticos e econômicos. A coordenadora do Escritório de Direitos Humanos da Faculdade Christus, Priscylla Joca, explica que ocorre o contraste entre duas prerrogativas: o direito ao desenvolvimento e o direito da comunidade de permanecer no local. Além do campo jurídico, as brigas englobam os setores da economia e da política.
FALTA ACESSO AOS BENS
Conforme a coordenadora, uma das consequências é a falta de acesso aos recursos por grande parte da população, apesar de a alimentação, a moradia e o acesso à água serem garantidos às pessoas. Ela argumenta que é necessário defender, ao mesmo tempo, as vítimas e o desenvolvimento, que deve ser benéfico em todos os sentidos.
“Dentro dos direitos, existem tensões e disputas. É um processo de construção. De um lado, há juristas que se conectam com os movimentos populares e que vêm pressionando por essas demandas, e do outro, juristas que se relacionam a grandes campos de interesses e a essa concepção de desenvolvimento”.
PRINCIPAIS VIOLADORES
A especialista afirma que estados e União são os principais violadores das fontes naturais. No Ceará, as obras que estão gerando mais discussões sobre remanejamento de territórios são a do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e a construção do Acquário, promovidas pelo Governo do Estado.
No âmbito nacional, a polêmica gira em torno da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, construída pela União e considerada a maior obra do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). É alvo de debates sobre impacto ambiental. “Quem concede as licenças ambientais, tão criticadas, são órgãos estatais. Ai você tem os grandes grupos de interesse que dominam o sistema de capital, de produção material”.

A QUEM RECORRER
Os causadores de discussões socioambientais são os meios a quem a população prejudicada pode recorrer. O apoio deve ser procurado junto a organizações, Ministério Público ou Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “O que gera mais complexidade é como o Estado, um dos piores violadores, é ao mesmo tempo a quem a gente recorre. Hoje, o que as comunidades têm é a resistência”.

POSSE
A natureza é livre e considerada recurso de todos, mas na prática não funciona assim. Considerando que terra, água e alimentação são bens comuns e fundamentais para a existência, o acesso deveria ser equitativo e não desigual como ocorre hoje. No entanto, o entendimento é o de que as propriedades passíveis de apropriação individual, independentemente da necessidade de outros grupos, são de quem possuem o título. “Os bens naturais não pertencem a todos, mas a quem tem a propriedade”, explica Priscylla Joca.

DISPUTAS POR TERRAS
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no Brasil, 14 pessoas foram assassinadas durante conflitos no campo, somente nos quatro primeiros meses de 2012. No mesmo período do ano anterior, esse número chegou a oito.
De 2010 para 2011, os conflitos e ações violentas contra trabalhadores rurais e povos tradicionais cresceu 15%. Expulsões, despejos e ameaças de pistoleiros estão entre as principais violações.
Os assassinatos diminuíram (de 34 para 29), mas os casos de ameaças de morte cresceram consideravelmente (de 125 para 347). Do total de ameaçados, 72% são indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros integrantes de comunidades tradicionais, especialmente dos estados que fazem parte da Amazônia Legal.
Das 1.035 ocorrências de conflitos por terra, 693 (50,2%) foram de responsabilidade de grupos privados (fazendeiros, madeireiros e empresários). A atuação do poder público (expressa no número de famílias despejadas) recuou 12,8%.
Ainda conforme o relatório, de 1985 a 2011 foram registrados 1.220 casos de assassinatos. Apenas 92 casos tiveram julgamento, resultando na condenação de 21 mandantes e de 74 executores.

Fonte: Jornal O Estado, 31/maio/2012.