O fim das doações de empresas para campanhas eleitorais já poderá valer nas eleições de 2014, se o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar inconstitucional a permissão, de acordo com ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sob a análise da Corte. A matéria deve ser votada em fevereiro.

É o que defende o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Marco Aurélio Mello, manifestando-se contra a intenção do relator da matéria no STF, Luiz Fux, de modular a aplicação da nova regra. “Não posso partir para o famoso jeitinho brasileiro de acomodar as coisas até então surgidas”, afirmou, em entrevista exclusiva ao DCI.

Segundo o presidente do TSE, “nesse campo [das doações eleitorais], nós sabemos que não há altruísmo. Sairia muito mais barato o financiamento público exclusivo de campanha. Se o julgamento for brecando, teremos uma grande alavanca para a reforma política”. Para ele, a aplicação da Lei da Ficha Limpa com base em atos e fatos anteriores à sua vigência em 2010, como renúncias e denúncias de corrupção, contraria a sistemática do direito brasileiro e fere o princípio da irretroatividade.

Empossado em novembro, Mello assumiu a função pela terceira vez e, dos 11 ministros do STF, é o segundo com mais tempo de atuação, nomeado em 1990.

DCI: A tendência do STF é ser favorável à ação movida pela OAB em relação ao fim das doações eleitorais por parte das empresas? Quatro ministros votaram favoravelmente e outros quatro, inclusive o senhor, já se manifestaram a favor.

Marco Aurélio Mello: Ainda não me manifestei. Apenas disse que sou favorável ao financiamento estritamente público das eleições. Hoje, é misto: é público e privado. Público, com o fundo partidário e horário que se diz gratuito na televisão, mas que todos nós pagamos, e com regras rígidas quanto ao aporte de numerário privado. Como também sou favorável à espontaneidade no exercício desse direito, que é o direito de sufragar o nome de candidatos. Não a obrigatoriedade do voto, ou seja, o voto tomado realmente como direito cívico do cidadão. Mas o sistema, por enquanto, não é esse. O que enfrenta o Supremo? Saber se o tratamento igualitário, tendo em conta os eleitores, aqueles que realmente elegem, se ele se faz presente quando se viabiliza o financiamento por pessoa jurídica. E nesse campo, nós sabemos que não há altruísmo. Ninguém participa financiando uma eleição para não ter, posteriormente – e sai muito caro para a sociedade uma contraprestação – uma benesse futura por parte do eleito. O financiamento exclusivo público sairia mais barato para o País. Se o julgamento for brecando a participação, talvez tenhamos até a alavanca para uma grande reforma política.

DCI: A decisão deve acontecer no início de 2014?

MAM: O ministro Teori Zavascki, que é um ministro ágil e que também tem visão institucional muito boa, deve devolver o processo, e eu tenho certeza de que o pedido de vista não se transformará “perdido de vista” no início de fevereiro.

DCI: Os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Henrique Alves, dizem que é competência exclusiva do Congresso legislar sobre questões em geral.

MAM: Mas o Supremo, mesmo que conclua pela inconstitucionalidade, não estará legislando. Tanto que, em tese, a decisão será aplicável às eleições de 2014. A não ser que resolva modular a decisão. O que ele [o STF] estará fazendo? Atuando como legislador negativo para dar eficácia à Constituição Federal, já que toda a legislação está submetida a esses princípios. Sempre é assim. Quando se atua, e se atua desagradando a certos segmentos, se diz que o Supremo está extravasando os limites fixados pela Carta da República. Mas não pretendemos substituir os congressistas e jamais faremos isso.

DCI: Como presidente da Corte Suprema Eleitoral, nas eleições de 2014 quem ganha e quem perde com o fim das doações eleitorais das empresas?

MAM: Já se disse que aqueles que estarão a tentar a reeleição – e é um instituto que precisa ser revisto porque não é da nossa tradição -, terão vantagem com o término desse financiamento. Porque é parte de uma premissa que é irrefutável. Por mais disciplinado que seja o detentor da cadeira que tente a reeleição no âmbito do Executivo, sempre há algum extravasamento, e sempre ocorre a utilização da máquina administrativa visando êxito.

DCI: Isso acontecerá por que o adversário ficará sem o financiamento das empresas?

MAM: Talvez não venha a ter tanto material de propaganda para chegar a competir com igualdade, se é que há igualdade de condições entre os que tentam a reeleição. A disputa já é, de início, desequilibrada. É muito difícil disputar com quem está em cargo administrativo ou no Executivo.

DCI: Recentemente, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) falou que a Justiça Eleitoral deveria atentar para o fato de que a presidente Dilma já está em campanha.

MAM: É, mas não é a presidente Dilma. De certa forma, a prática é generalizada, constatamos isso em casa com a propaganda partidária. Em vez de usar o espaço aprovado por lei para divulgar a plataforma e o partido e seus objetivos, sempre se tem apologia deste ou daquele nome e quase sempre a pessoa que aparece na telinha é pré-candidata. É distorção. Mas não é algo inerente ou específico quanto a este ou aquele chefe do Executivo.

DCI: Como avalia as manifestações feitas, principalmente, pelo PT de que, no caso do mensalão, houve um julgamento político?

MAM: Personificamos o Estado e atuamos segundo a prova produzida num processo. Não houve julgamento político, porque a era é de democracia plena. Se formos realmente questionar no campo da visão do leigo, nós vamos ver que o julgamento, ele ocorreu com a maioria dos integrantes nomeados pelo atual governo, ou seja, pelo governo do PT. Há algo que não fecha aí nesse raciocínio, porque é a grande maioria e nós só temos lá, hoje, que não foram nomeados pelo governo do PT, o ministro Celso de Mello, nomeado pelo presidente Sarney; eu, que fui nomeado pelo presidente Fernando Collor; e o ministro Gilmar Mendes, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

DCI: A Lei da Ficha Limpa permanece em vigor e será aplicada?

MAM: Já foi aplicada às eleições de 2012. Há uma problemática, e eu me insurjo quanto à essa visão, que é a aplicação considerando os atos e fatos anteriores à edição da lei de 2010. Por exemplo, as renúncias ocorridas. Será que elas têm a consequência ou as consequências em termo de inelegibilidade da lei nova? A meu ver, não. A medula da segurança jurídica é a irretroatividade da lei nova. Os fatos e atos pretéritos são regidos pela legislação existente à época do surgimento. É um retrocesso e não avanço cultural quando se pretende consertar o Brasil com “c” e “s” de forma retroativa. A sociedade não pode viver sendo surpreendida a solavancos.

(Do http://www.dci.com.br/)