Sertão_JorgeA Origem da Advocacia Sertaneja é o tema da palestra que o representante do Conselho Nacional de Justiça, advogado e professor Jorge Hélio de Oliveira, fará nesta sexta feira (16), no primeiro dos cinco painéis do I Encontro dos Advogados do Sertão (veja a programação completa em www.oab.org.br). O Encontro será aberto amanhã (15), às 18 horas, no Centro de Convenções do Cariri (Juazeiro do Norte/Crato), com a palestra magna do presidente do CFOAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, sobre Aspectos Geográficos e Históricos para a Cultura do Sertão.

Jorge Hélio é professor de Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza e professor convidado da Escola Superior de Advocacia, vinculada ao Conselho Federal da OAB e de outras Instituições de Ensino Superior, onde atua na pós-graduação. Foi conselheiro seccional da OAB-CE (2001 a 2003), conselheiro federal (2007 a 2009) e atualmente é membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais. Jorge Hélio, que está no CNJ desde 2011, afirmou que o órgão de controle “está para a atual estrutura do Poder Judiciário assim como os médicos pronto-socorristas estão para a saúde pública”.

A afirmação foi dada em entrevista que concedeu ao site www.oabce.org.br. O conselheiro falou dos problemas que enfrentam os advogados que atuam no interior do país e explicou o conceito de advocacia do sertão. Veja a entrevista:

OAB-CE – Existiria uma advocacia do sertão? Ela é diferente? O que se deve entender do termo?

Jorge Hélio – A advocacia, do ponto de vista formal, tem seu exercício unificado nacionalmente. Tanto que a carteira da Ordem, que dá direito ao portador de exercer todas as atividades privativas de advogado, tem validade em todo o território nacional. Mas é inegável, por outro lado, que as dimensões geopolíticas do País nos permitem, no mundo real, diferenciar, em várias categorias, os advogados brasileiros. O simbolismo que a expressão “advogado sertanejo” encerra nos remete às vicissitudes próprias do exercício do labor advocatício – como, de resto, de outros hábitos laborais – nos rincões de mais difícil acesso, longe dos grandes centros urbanos, o que por si significa trazer a lume a potencialização dos problemas estruturais, que vão da morosidade na tramitação dos processos até a ausência do Estado-Juiz. Não deve o termo ser levado ao pé da letra, mas, observada a evolução de nosso povoamento, bem como da centralização dos esforços político-administrativos decisórios entre nós, como sinônimo de resistência e luta pelo Estado de Direito, onde ambos, o Estado e o Direito, não raro ainda atendem a lógica do mais forte, da tradição feudal, da mentalidade escravagista, do deus-dará. A utilização dessa marca tem evidente caráter inclusivo e merece nossos mais entusiastas e efusivos aplausos. Atende aos mais modernos postulados de isonomia material, de acesso à justiça e da dignidade da pessoa humana.

OAB-CE – Quando esta advocacia surge? Onde estão os primeiros registros observados na sua pesquisa?

JH – A advocacia, ontologicamente falando, surge com os primeiros conflitos de interesses, logo no início da colonização, em seguida à vinda de Martim Afonso de Sousa (1530), a fundação da primeira vila regular de povoamento, a de São Vicente (1532) e o consequente registro de nascimento do latifúndio no Brasil, com a adoção do sistema de capitanias hereditárias pelo governo português (a partir de 1534). Eram os rábulas, advogados práticos e não bacharéis ou licenciados por universidade, mais tarde chamados de “provisionados”, que defendiam as teses pró-sesmeiros e colonos ou pró-metrópole. Com a complexificação do “pacto colonial”, especialmente, com a centralização administrativa e política do poder lusitano na colônia, o que se deu a partir da vinda do primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, que trouxe consigo a ilustrada Companhia de Jesus, em 1549, os primeiros bacharéis portugueses acompanhavam os gestores lusos ao Brasil com o fim de oficializar a adoção das ordenações portuguesas por aqui. Embora sem registro físico objetivo, os primeiros advogados formados no Brasil colaram grau nos cursos de Olinda e São Paulo, os primeiros criados entre nós, em 11 de agosto de 1827, por D. Pedro I. Contudo, a atuação dos advogados vem de muito antes. O ouvidor-mor, uma espécie de ancestral do Ministro da Justiça, que veio na comitiva de Tomé de Sousa, tinha a compeência para cuidar dos assuntos judiciais da colônia. Não deixava de ser um advogado público, a defender os interesses da Coroa no Brasil-Colônia. Gregório de Matos (1939-1696), por exemplo, alcunhado de Boca do Inferno ou Boca de Brasa, é considerado pela historiografia formal o maior poeta do barroco brasileiro e consta que tenha sido grande advogado. Para muitos, ele foi o primeiro grande advogado brasileiro, claro formado em Portugal. Mas os sem registro nos livros de história foram os que, em cada vila, município, comarca ou termo, sustentaram as teses que culminaram com a formação do verdadeiro Direito achado no Brasil. Ainda que defendendo os próprios interesses, fosse em consonância ou em confronto com a metrópole.

OAB-CE – O senhor enxerga problemas na advocacia praticada no interior do país, como a falta de juízes, promotores, defensores, como o desrespeito às prerrogativas do advogado?

JH – Somos 5.570 municípios no País, a imensa maioria dos quais carente de infraestrutura de toda ordem. Boa parte deles sem a menor condição de ostentar o título de Município, sem condição de pagar a seus servidores o salário-mínimo, dada a precariedade de seu tesouro. No caso, a palavra “tesouro” soa até irônica. A Justiça tarda e falha, lembrando Ruy Barbosa, quase sempre, eternizando a sensação geral de injustiça. Falta tudo, até serventuários, na mais das vezes cedidos por prefeituras – rés em processos calamitosos, veja-se que contradição sistêmica. Os pobres não têm acesso ao aparato judiciário, pois a estrutura das defensorias públicas é, de regra, inacreditavelmente deficitária, ressalvadas as honrosas exceções. O Ministério Público não açambarca todos os quadrantes e, em vários deles, torna-se uma miragem, com presença eventual. As prerrogativas de alguns advogados são respeitadas, em detrimento do que ocorre com a maioria deles, sem aparato técnico e/ou prestígio político. Perde a classe, enquanto categoria profissional. Perdem os cidadãos, especialmente os despossuídos.

OAB-CE – Como o CNJ tem encarado tantos problemas?

JH – Com preocupação, mas sem a atenção que o problema merece. O CNJ, é bom que se diga, está para a atual estrutura do Poder Judiciário assim como os médicos pronto-socorristas estão para a saúde pública. Escolhe os pacientes a serem atendidos de acordo com o clamor e com os lobbies – inclusive e principalmente midiáticos -, deixando de lado os mais fracos. É a dura realidade. É bom que se ressalte a importância do papel do CNJ na modernização da Justiça brasileira. Sem o CNJ, a coisa era muito pior. Mas é que há muito, muito mesmo a melhorar.