A Comissão de Estudos Constitucionais da OAB Ceará promoveu, na terça-feira (16/03,) a live “Tribunal do júri e a ilegítima defesa da honra: a proteção da mulher na ADPF 779″. O evento virtual foi transmitido pelo canal no Youtube da OAB Ceará e contou com a presença do autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n°779, Paulo Iotti.

Prestigiando o debate, o presidente da OAB Ceará, Erinaldo Dantas, parabenizou a iniciativa da Comissão e destacou a importância do debate para o combate da violência contra mulheres. “Admitir a tese da Legítima Defesa da Honra é permitir uma justificativa para mais agressões contra mulheres. As mulheres não são objeto, elas não são uma propriedade, é fundamental de que a gente determine de forma muito clara e objetiva que o Direito serve para regular a conduta humana. O Direito brasileiro não admite violência de qualquer forma, especialmente, contra mulheres”, destacou.

No início do encontro remoto, a presidente da Comissão de Estudos Constitucionais, Arsênia Breckenfeld, saudou a todos da mesa virtual e agradeceu a presença dos advogados para o debate. “Estou muito feliz de estar debatendo sobre um tema tão instigante, que é a legítima Defesa da honra e a decisão do Supremo Tribunal Federal, que trouxe na semana passada a ADPF 779”.

Na transmissão, Breckenfeld defendeu que as decisões do Tribunal do Júri devem estar submissas ao Sistema Constitucional. “A soberania dos veredictos deve ser interpretada dentro desse contexto, assim como a Plenitude de Defesa. Não se pode fugir do Estado de Direito e da supremacia Constitucional e de uma interpretação sistemática da Constituição quando se fala de Tribunal do Júri. A partir do momento que você permite que a decisão do Estado use de um argumento claramente inconstitucional, algo deve ser feito”, comentou a presidente.

O vice-presidente da Comissão, Felinto Martins Filho, chamou atenção para o aspecto cultural da Legítima Defesa da Honra. “Existe reflexo da legislação das Ordenações Filipinas, na prerrogativa de ampla defesa utilizada em Tribunais de Júri. A compilação jurídica, que vigorou de 1603 até 1830, previa morte da esposa como direito “lícito” do marido em casos de adultério”, pontuou.

Felinto também trouxe o papel do Doutor em Direito Constitucional, Paulo Iotti no combate da tese. “Ela é enraizada na cultura brasileira mesmo com a promulgação do Código Criminal do Império, mesmo com a Independência do Brasil mesmo com a Proclamação da República e mesmo com a vigência do Código de 1940 e através do Tribunal do Júri ela ainda era alegada como tese também de clemência, para contestar tudo isso nós temos a honra de receber o professor Paulo que dá uma guinada, uma resposta através do Supremo Tribunal Federal, nesta tese cultural machista que é muito mais antiga até do que os casos que vem sendo relatado”, afirmou.

O representante do partido democrático trabalhista PDT, autor da ADPF n°779, Doutor em Direito Constitucional, Paulo Iotti, ressaltou que a aplicação da tese para argumento de defesa de réus, contraria os princípios da dignidade da pessoa humana. “Deve-se interpretar a soberania dos veredictos do júri de maneira sistemática com o restante da Constituição com os demais direitos e garantias fundamentais, no caso, o direito à vida e não discriminação, o direito da dignidade da pessoa humana. Pela Legítima Defesa da honra, você está dizendo que a mulher é um meio para a satisfação dos desejos do homem e se ela tiver uma conduta que ele acha que viole a honra dele, poderia tirar até a vida dessa mulher. Você não pode coisificar, instrumentalizar a pessoa humana como meio à disposição de outra pessoa. A soberania do júri não pode gerar uma manifesta violação de outros direitos fundamentais”, disse.

O palestrante também chamou atenção para o cenário de violência contra mulheres no Brasil e para a não naturalização do feminicídio por meio da tese de Defesa da honra. “Não é direito de defesa, não é garantia penal deturpar os fatos e deturpar o sistema jurídico, inclusive, incitando preconceitos, ao dizer que mulheres merecem morrer”, finalizou.