“Eu me senti muito invadida, muito desrespeitada como mulher e como alguém que estava ali para fazer um trabalho. Me senti humilhada”; “Ele me segurou pelo braço e disse que, na próxima viagem, iríamos só nos dois.”. Esses são relatos constrangidos de funcionárias e diretoras da Caixa Econômica Federal (CEF), que marcaram o último dia 28 de junho de 2022.

Em doído desabafo, tais mulheres atestam que foram aviltantemente violadas, em seu ambiente de trabalho, e fora dele, pelo então Presidente, Pedro Guimarães, o qual, utilizando-se de aliados que aliciavam as funcionárias, transformou a CEF num esquema tenebroso de violência psicológica e sexual contra mulheres – todas obrigadas a ceder às investidas dos superiores, sob pena de rebaixamento de função e de exclusão dentro da instituição.

Eis então o questionamento: qual a natureza das violações aqui relatadas? Haveria algum ponto de convergência entre elas e as sofridas por outras mulheres vítimas de agressão no Brasil, a exemplo de Gabriela Samadello, Procuradora de Registro/SP, estupida e fisicamente agredida por um colega de trabalho? A resposta é clara: violência contra mulher.

Enquanto a agressão sofrida pela Procuradora revela a conhecida e palpável violência física, sobre a qual os hematomas estampados no rosto não permitem questionamentos, porque constatáveis a olho nu; as aqui relatadas se apresentam de forma mais sutil, velada, discreta e, por isso mesmo, tão mais difíceis de serem combatidas, porque essencialmente psicológicas e sexuais.

“Dentro ou fora da Caixa”, pesquisa realizada pela Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra-nos que as situações aqui apresentadas são o reflexo cruel da realidade brasileira, que, em 2021, tinha cerca de 17 milhões de mulheres (24,4%) sofrendo violência física, psicológica ou sexual; e 26,5 milhões, vítimas de algum tipo de assedio sexual.

A verdade é que não se pode mais setorizar a violência de gênero. Tão feroz e traumatizante quanto a física, que deixa marcas e cicatrizes na pele, a violência psicológica, sobretudo quando transmutada em assédio sexual, deixa sequelas invisíveis, escaras atravessadas nas entranhas, memórias indissolúveis do desrespeito e que dificilmente são creditadas, porque desaguam no íntimo de uma mulher, no âmago de uma alma, coisa que não se comprova com fotos, vídeos ou coisa que o valha, mas que agride a personalidade, e avança no que há de mais precioso a um indivíduo, sua dignidade.

Na busca pela proteção feminina, muito já se fez, é verdade. A Lei da Violência Doméstica (Lei 11.340/2006) é um precioso exemplar disso, mas é urgente e necessário muito mais. Arvorar-se contra a violência contra a mulher, dê-se ela como se der, é, não apenas defender um gênero, mas a possibilidade de ver um ser humano respeitado tão somente pela condição de sê-lo. É preciso pensar “fora da caixa”, sobretudo quando se pretende combater a violência na sua faceta mais invisível. Não nos esquivemos!

Clique aqui e confira o artigo publicado pelo jornal O Estado.

Érika Menezes Albuquerque, conselheira estadual da OAB-CE.