Nos últimos dias as articulações em torno da indicação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal tomaram corpo após declarações de ministros e autoridades do atual governo.

Segundo diagnóstico realizado em 2019 pelo Conselho Nacional de Justiça, apenas 16% das magistradas se autodeclaram pretas ou pardas. Por outro lado, dados do IBGE de 2018 mostram que 55,8% da população brasileira se autodeclara preta e parda, portanto negra.

Em 40 anos de redemocratização no Brasil, enquanto 26 homens alcançaram o cargo de Ministro do STF, apenas 03 mulheres atingiram o mesmo espaço de poder no período, nenhuma delas negra.

Por outro lado, apenas três homens negros ocuparam o cargo de Juíz na Suprema Corte, dentre eles, Joaquim Barbosa, que chegou a Presidir o Tribunal entre 2012 e 2014.

Sem dúvida, a presença de uma mulher negra no Supremo Tribunal Federal é fundamental para a democratização do gênero racial do lugar de poder mais relevante no judiciário brasileiro. Mas este acontecimento histórico deve ser encarado como um ponto de partida para a promoção da Igualdade racial nas instituições, que deve acontecer de maneira difusa, sistemática e integrada.

Não basta conceder assento na Suprema Corte do país a uma mulher negra, se nas estruturas basilares do Sistema de Justiça continuamos a sofrer com o racismo estrutural e institucional.

Assim, penso que a pretensa nomeação não se resumirá a uma iniciativa de representatividade feminina e negra, mas um ato de reparação histórica introjetada em um dos Poderes mais estruturalmente embranquecidos e masculinizados.

Ressalto que este caráter homogêneo sempre induziu à perspectivas de julgamento baseadas em subjetividades advindas de ambientes dotados de inúmeros privilégios de gênero, raça e classe, o que dificultou o alcance aprofundado da realidade de grupos sociais formados por indivíduos negros e empobrecidos que constituem a maioria da população brasileira.

Logo, a representatividade figurativa e esvaziada não nos interessa. É imprescindível que a chegada de uma mulher negra no STF seja acompanhada da liberdade e dignidade necessárias às mudanças estruturais decorrentes de sua atuação.

Por fim, penso que a questão mais instigante aqui, não seja propriamente a chegada de uma mulher negra no STF. Mas estaremos nós, Estado e sociedade brasileira, preparados para a atuação de uma mulher negra no STF.

 

Raquel Andrade é presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-CE.

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