Deixou-nos no último dia 15 a advogada Geuza Leitão Barros, conhecida ativista em defesa do meio ambiente, pioneira da causa animal no Ceará. Desfraldou ela a bandeira da defesa dos direitos dos animais ainda em uma época de grande insensibilidade, quando não do mais puro preconceito, em relação a pautas como essa.

Mulher muito à frente de seu tempo, dotada da abnegação e determinacão próprias aos grandes espíritos, fez sempre, a partir das diversas tribunas que ocupou ao longo de sua vida militante, a defesa corajosa dos direitos dos animais. Enfrentou não raras vezes risco pessoal.

Como advogada, conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Ceará e presidente de sua Comissão do Meio Ambiente, empreendeu lutas épicas em defesa da causa de sua paixão. Na condição de presidenta do capítulo cearense da UIPA-União Internacional Protetora dos Animais, a mais antiga organização não governamental do gênero no Brasil, cuja fundação remonta aos anos 1895, combateu em campo aberto, juntamente com o Ministério Público Federal, a prática da vaquejada, logrando obter no Supremo Tribunal Federal, em outubro de 2016, o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei estadual cearense nº 15.299/2013, que regulamentava a prática de esporte tão cruel, por atentatória ao meio ambiente e causadora de sofrimento agudo aos animais. Dá bem a nota da dimensão dos poderosos interesses afetados pela decisão e mesmo da falta de amadurecimento da sociedade quanto ao tema, o fato de que, meses após, o Congresso Nacional tenha aprovado, a toque de caixa, a emenda constitucional nº 96, revertendo, por essa via, a decisão da Corte Suprema. Caso típico de “efeito backlash”.

Incansável na porfia pelo cumprimento da legislação de proteção aos animais, investiu contra o funcionamento de abatedouros clandestinos, o abandono de animais em vias públicas, a realização de vaquejadas, rodeios, touradas, brigas de cães, galos, canários, corridas de jumento. Onde quer que houvesse, em curso ou em potência, ameaça ao bem-estar animal, lá estava ela e sua voz. A voz dos sem voz, é o título de um dos livros que publicou. Uma pessoa a um tempo brava, altiva e doce, que exalava humanidade.

Não sem razão o escritor checo Milan Kundera, exilado em França, autor genial de “A Insustentável leveza do Ser”, romance que li ainda nos tempos da velha Faculdade de Direito, destacava que “A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda pureza, com toda a liberdade, em relação àqueles que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: os animais. É aí que se produz o maior desvio do homem, derrota fundamental da qual decorrem todas as outras.”

Não seria exagero afirmar que sua luta e exemplo fizeram inscrever no debate público que se trava no estado, com forte influência na agenda de políticas e ações de governo, a atenção aos direitos dos animais. Geuza Leitão era minha tia, das mais queridas, o que em vida nunca lhe foi um atributo. Nem justifica esse artigo.

Clique aqui e confira o artigo publicado pelo jornal O Povo.

Hélio Leitão
Conselheiro federal, pela bancada do Ceará, e presidente da OAB-CE gestões: 2004/2006 – 2007/2009.